TEXTO 01 - Novos tempos, novos desafios (excerto)
1 Presentemente, no Brasil, faz-se uma reflexão sobre temas como inclusão social, mobilidade social, classe social, apontando novas tendências e interpretações da realidade social. Por certo, são temas de forte impacto ideológico, que repercutiram e compuseram a retórica política durante a última década. Em nosso país, de modo recente, políticas redistributivas vêm priorizando a redução da desigualdade. Trata-se de desnaturalizar a desigualdade. A inclusão social, antes vista como parte de uma utopia generosa, mas utopia, emerge no debate e na agenda política da sociedade brasileira na primeira década do século XXI.
2 Na primeira década do século XXI, a sociedade brasileira viveu um momento de reversão: após um período de estagnação, abriu-se um cenário de mudanças substanciais. Novos atores do fazer político personificaram o sentimento dos setores excluídos da população. O debate em torno da temática da inclusão social repercutiu em nosso país, inserindo-se na agenda política. As transformações sociais, econômicas, culturais e políticas demandam novas análises. Uma grande parcela de críticos recorda que nos últimos anos o Brasil tem enfrentado, com relativo êxito, o desafio de combinar crescimento econômico, distribuição de renda, equilíbrio macroeconômico, redução das desigualdades e inclusão social, tendo como ponto de partida a implantação de políticas públicas para diversos segmentos, social e economicamente excluídos.
3 Na última década, a expansão econômica, combinada com políticas sociais, possibilitou uma mobilidade social ascendente para determinados estratos de renda. Há certa mistificação ideológica em torno do conceito "nova classe média", de significado controverso. O período marca também a coexistência de um forte clima de otimismo e uma esquerda gentil, e a sensação de êxito com présal, cotas e TV de plasma para a classe C. Ao contrário do que parecem pensar críticos que raciocinam por default, não se pode minimizar o significado do acesso a classes sociais economicamente superiores por meio do consumismo. Parece óbvio, mas é preciso lembrar que a questão da inclusão social está, hoje, mais vinculada a uma relação de consumo do que a uma cidadania conquistada.
4 Na sociedade aquisitiva ou afluente, a pobreza constitui um desvio da liberdade de consumo, como expressa o sociólogo Zygmund Bauman. Há um grande esforço em considerar que estamos diante de um novo modelo de desenvolvimento, capaz de distribuir renda, promover o crescimento com sustentabilidade e a inclusão social. Os visíveis exageros na sociedade são plenamente compreensíveis. Apesar de algumas críticas que classificam certos programas sociais como assistencialistas, especialistas reconhecem que ocorreu uma considerável mobilidade social, resultando em um novo perfil socioeconômico de parte da população brasileira. Ao longo da última década, políticas compensatórias, sobretudo econômicas, de redistribuição de renda, alteraram parte da estrutura social brasileira. Entre 2004 e 2010, aproximadamente 32 milhões de pessoas ascenderam à categoria de classes médias (A, B e C) e 19,3 milhões saíram da pobreza.
5 Há quem veja no acesso a bens e serviços, na inserção no consumo, o surgimento de uma "nova classe média" brasileira. É um equívoco pensar assim. Não se trata de classe social com os requisitos que a teoria social exige. É o estrato da classe mais pobre que teve um acréscimo de renda. A socióloga Céli Scalon adverte que "(...) aumentos marginais na renda dos indivíduos na base da pirâmide dificilmente serão vistos como capazes de abalar a estrutura social" (SCALON, 2011).
6 Esse segmento desponta de uma parcela da população antes marginalizada social e tecnologicamente, e virou mercado de consumo. Concentra-se basicamente na base da pirâmide social. É a grandenovidade do Brasil dos últimos anos. Cerca de 54% da população economicamente ativa passam a compor a chamada "nova classe média". Esse esforço, no entanto, parece limitar-se à classificação das classes pela renda.
7 O acesso de segmentos da população a nichos de consumo, visto como mudança social e como marca do surgimento de uma "nova classe média" parece ser a grande novidade política no Brasil na ultima década. Para os estudiosos das Ciências Sociais, a definição de classes sociais não se limita à variável "renda". De acordo com Márcio Pochmann, intelectual habituado a refletir sobre a exclusão social no Brasil, "(...) a mudança social dos últimos oito anos não resultou na criação de uma nova classe média no País. São segmentos novos no interior da classe trabalhadora, cuja ascensão social é movida pelo consumo e com uma despolitização crescente" (POCHMANN, 2012). Para Francisco de Oliveira, sociólogo com forte interlocução com os movimentos sociais, "a pobreza tornou-se algo administrável com o Bolsa-Família". No ensaio Hegemonia às Avessas, Oliveira assinala: "(...) não houve uma redução da desigualdade, embora certamente houvesse uma diminuição da pobreza".
8 Na interpretação do Brasil contemporâneo, o tema da inclusão social ganha expressão, mediado agora pelas questões de mobilidade social e classe social. A temática da inclusão social tem sido apropriada no quadro de uma certa estratégia retórica e política. Há pouca familiaridade com o rigor conceitual. No âmbito da universidade o debate parece mais arejado. Nas últimas décadas, as políticas públicas de inclusão, impulsionadas pelo debate sobre o desenvolvimento, tiveram grande avanço. O País busca romper o círculo da pobreza e passa a despontar pelo avanço da inclusão social. O período marca o reconhecimento de políticas de inclusão social como Bolsa-Família, aumento do salário mínimo, expansão do crédito, valorização da moeda, controle da inflação, estabilidade econômica, expansão e estímulo do crédito popular, além do avanço do emprego formal, contrariando os teóricos liberais ao reduzir no cenário pós-crise o trabalho informal que, até os anos 1980, era visto como sinônimo de atraso pela tradicional literatura econômica.
9 É preciso distinguir "inclusão pelo consumo" e "inclusão social". Parte da crítica considera que a inclusão social não se dá pelo consumo, mas pela ampliação das políticas sociais do Estado.
10 O Brasil do século XXI avançou, mas ainda não foi capaz de superar a exclusão social. Como se vê, houve um relativo avanço, mas prevalece em nossa cultura um déficit de cidadania, de solidariedade, e uma experiência ainda pequena em relação à inclusão social. Tem ativismo demais. A revolução produtiva é do conhecimento. A velocidade, o crescimento e as sucessivas inovações da capacidade tecnológica se contrapõem a certa impotência dos homens para mudar seu destino. Há um certo "analfabetismo funcional" diante dos novos processos de automação e inovação tecnológica. Tentamos fugir da novela da crise europeia. Desenha-se no Brasil um futuro melhor. O Brasil tem pressa e Brasília parece distante do mundo do trabalho.
(FONTE: Sérgio Sanandaj Mattos, Revista Sociologia, ano IV, edição – ago./set. 2012)
O texto nos permite fazer as seguintes inferências, EXCETO:
É necessário que as políticas públicas, referentes aos programas sociais, a exemplo dos atuais, desenvolvidos no Brasil, sejam ampliados.
Políticas sociais adotadas pelo governo Lula, e mantidos pela atual gestão, têm contribuído para melhor e maior visibilidade do Brasil no cenário internacional.
Há de se esperar um futuro melhor para o Brasil a partir de investimentos a serem feitos em políticas públicas.
Ao menos numericamente, o Brasil tem conseguido, aos poucos, reduzir o número de cidadãos obrigados a viver na linha de pobreza.