– Temos sorte de viver no Brasil – dizia
meu pai, depois da guerra. – Na Europa
mataram milhões de judeus.
Contava as experiências que os médicos
[5] nazistas faziam com os prisioneiros.
Decepavam-lhes as cabeças, faziam-nas
encolher – à maneira, li depois, dos índios
Jivaros. Amputavam pernas e braços.
Realizavam estranhos transplantes: uniam a
[10] metade superior de um homem ........ metade
inferior de uma mulher, ou aos quartos
traseiros de um bode. Felizmente morriam
essas atrozes quimeras; expiravam como
seres humanos, não eram obrigadas a viver
[15] como aberrações. (........ essa altura eu tinha
os olhos cheios de lágrimas. Meu pai pensava
que a descrição das maldades nazistas me
deixava comovido.)
Em 1948 foi proclamado o Estado de
[20] Israel. Meu pai abriu uma garrafa de vinho –
o melhor vinho do armazém –, brindamos ao
acontecimento. E não saíamos de perto do
rádio, acompanhando ........ notícias da guerra
no Oriente Médio. Meu pai estava
[25] entusiasmado com o novo Estado: em Israel,
explicava, vivem judeus de todo o mundo,
judeus brancos da Europa, judeus pretos da
África, judeus da Índia, isto sem falar nos
beduínos com seus camelos: tipos muito
[30] esquisitos, Guedali.
Tipos esquisitos – aquilo me dava ideias.
Por que não ir para Israel? Num país de
gente tão estranha – e, ainda por cima, em
guerra – eu certamente não chamaria a
[35] atenção. Ainda menos como combatente,
entre a poeira e a fumaça dos incêndios. Eu
me via correndo pelas ruelas de uma aldeia,
empunhando um revólver trinta e oito,
atirando sem cessar; eu me via caindo,
[40] varado de balas. Aquela, sim, era a morte que
eu almejava, morte heroica, esplêndida
justificativa para uma vida miserável, de
monstro encurralado. E, caso não morresse,
poderia viver depois num kibutz. Eu, que
[45] conhecia tão bem a vida numa fazenda, teria
muito a fazer ali. Trabalhador dedicado, os
membros do kibutz terminariam por me
aceitar; numa nova sociedade há lugar para
todos, mesmo os de patas de cavalo.
Adaptado de: SCLIAR, M. O centauro no jardim. 9. ed. Porto Alegre: L&PM, 2001
Considere as seguintes afirmações sobre o conteúdo do texto.
I - O narrador do texto considera se mudar para Israel, pois tinha como principal motivação trabalhar em um kibutz.
II - O narrador do texto comemora a proclamação do Estado de Israel com seu pai, pois ambos tinham planos de se mudar do Brasil.
III- O pai do narrador sentia-se afortunado de morar no Brasil no período pós-guerra, pois seu povo havia sido perseguido na Europa.
Quais afirmações estão corretas?
Apenas I.
Apenas II.
Apenas III.
Apenas I e II.
I, II e III.