Suave mari magno*
Lembra-me que, em certo dia,
Na rua, ao sol de verão,
Envenenado morria
Um pobre cão.
Arfava, espumava e ria,
De um riso espúrio e bufão,
Ventre e pernas sacudia
Na convulsão.
Nenhum, nenhum curioso
Passava, sem se deter,
Silencioso,
Junto ao cão que ia morrer,
Como se lhe desse gozo
Ver padecer.
Machado de Assis. Ocidentais.
*Expressão latina, retirada de Lucrécio (Da natureza das coisas), a qual aparece no seguinte trecho: Suave, mari magno, turbantibus aequora ventis/ E terra magnum alterius spectare laborem. (“É agradável, enquanto no mar revoltoso os ventos levantam as águas, observar da terra os grandes esforços de um outro.”).
Machado de Assis. Quincas Borba, cap. XVIII.
A visão do eu-lírico no texto
volta-se nostálgica para as imagens de uma lembrança.
centra-se com desprezo na figura do animal agonizante.
apreende displicentemente o movimento dos transeuntes.
ganha distância da cena para captar todos os seus aspectos.
apresenta o espectador da crueldade como um ser incomum.