Sotaque carioca
Quando esteve aqui pela primeira vez, no início dos anos 1960, (...) o escritor cubano Guillermo Cabrera Infante se encantou com o sotaque carioca – sobretudo com o das cariocas. Pareceu-lhe semelhante demais ao de Havana.
Delírio auditivo de Cabrera Infante, que se orgulhava de ter conseguido, no romance "Três Tristes Tigres", transpor o enunciado oral havanês para o registro escrito? Não. Desde que lá também se faça chiar o S, traço mais marcante no falar do Rio. Nosso famoso chiado teria sido introduzido pela corte de dom João 6º. Já por volta de 1860, baianos podiam distinguir a fala "bastante aportuguesa" do sotaque carioca, que, com o tempo, incorporou elementos africanos – daí a conexão com Havana.
Sotaque, seja daqui ou de alhures, é natural. Pode-se ter orgulho dele, invejar ou fazer chacota. E pode-se – caso dos jogadores de futebol que vão para o exterior – perdê-lo para sempre. O estranho é virar "patrimônio cultural de natureza imaterial", como na lei agora aprovada na Câmara Municipal, que ainda depende da sanção do prefeito.
(...)
A rigor, falar como carioca não quer dizer nada além do óbvio. O que interessa é o que falamos e como agimos.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/alvaro-costa-e-silva/2015/07/1651992-sotaque-carioca.shtml. Acesso em 16/04/2016.
Toda língua apresenta uma sonoridade própria, uma certa musicalidade que a distingue e a torna reconhecida mesmo por quem não a fala.
Em relação ao sotaque carioca, o cronista defende que
o tratamento diferenciado é desnecessário, já que a ocorrência de sotaques é inerente a qualquer idioma.
a semelhança com o sotaque cubano remonta ao processo de colonização portuguesa.
o marcante chiado produzido pelo S confere charme inigualável à língua portuguesa.
a impossibilidade de mimetizar os traços da oralidade torna inútil a lei aprovada pelos vereadores.
a pronúncia peculiar dos moradores do Rio de Janeiro é motivo de orgulho para turistas cubanos que visitam o Brasil.