Sintaxe à vontade
Sem horas e sem dores,
Respeitável público pagão,
Bem-vindos ao teatro mágico.
[5]
A partir de sempre
Toda cura pertence a nós.
Toda resposta e dúvida.
Todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser,
[10] Todo verbo é livre para ser direto ou indireto.
Nenhum predicado será prejudicado,
Nem tampouco a frase, nem a crase, nem a vírgula e ponto final!
Afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas,
[15] E estar entre vírgulas pode ser aposto,
E eu aposto o oposto: que vou cativar a todos,
Sendo apenas um sujeito simples.
Um sujeito e sua oração,
Sua pressa, e sua verdade, sua fé,
[20]
Que a regência da paz sirva a todos nós.
Cegos ou não,
Que enxerguemos o fato
De termos acessórios para nossa oração.
[25] Separados ou adjuntos, nominais ou não,
Façamos parte do contexto da crônica
E de todas as capas de edição especial.
Sejamos também o anúncio da contracapa,
Pois ser a capa e ser contra a capa
[30] É a beleza da contradição.
É negar a si mesmo.
E negar a si mesmo é muitas vezes
Encontrar-se com Deus.
Com o teu Deus.
[35]
Sem horas e sem dores,
Que nesse momento que cada um se encontra aqui e agora,
Um possa se encontrar no outro,
E o outro no um...
[40] Até por que, tem horas que a gente se pergunta:
Por que é que não se junta
Tudo numa coisa só?
(O Teatro Mágico)
À semelhança dos manifestos literários do início do século XX, que propunham inovações no campo artístico, essa canção defende um determinado posicionamento a respeito da linguagem. Em “Sintaxe à vontade”, defende-se que
o desmazelo à norma culta acarreta frequentes ruídos de comunicação.
os falantes da língua portuguesa são escravizados pela norma culta.
a inventividade para criar a própria língua é fruto da liberdade de expressão.
a obediência à gramática normativa cerceia a criatividade do falante.
a impossibilidade do domínio da norma culta causa angústia aos falantes.