Retrato do artista quando coisa
1. A maior riqueza
2. do homem
3. é a sua incompletude.
4. Nesse ponto
5. sou abastado.
6. Palavras que me aceitam
7. como sou
8. — eu não aceito.
9. Não aguento ser apenas
10. um sujeito que abre
11. portas, que puxa
12. válvulas, que olha o
13. relógio, que compra pão
14. às 6 da tarde, que vai
15. lá fora, que aponta lápis,
16. que vê a uva etc. etc.
17. Perdoai. Mas eu
18. preciso ser Outros.
19. Eu penso
20. renovar o homem
21. usando borboletas.
Barros, Manoel. Manoel de Barros: Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2013.
Considerando o poema em análise “Retrato do artista quando coisa” e também o assunto referente ao estudo do texto literário, assinale a alternativa CORRETA.
O texto de Manoel de Barros, escrito em versos, possui características que podem categorizá-lo como um texto literário, pois a linguagem está construída de modo referencial e de única significação. Uma leitura, ainda que superficial, irá concluir que a expressão “usando borboletas” é utilizada para asseverar a condição do eu lírico de exímio pesquisador dos estudos animais.
O eu lírico afirma que é “abastado”. No texto, tal afirmativa conduz o leitor à seguinte conclusão: os homens que são incompletos são abastados, pois possuem certamente riquezas econômicofinanceiras que os tornam pessoas-modelo para jovens aspirantes ao mesmo status quo. Para o eu lírico, a incompletude do homem é certeza de qualidade econômica.
Os versos “Eu penso / renovar o homem / usando borboletas” foram escritos de modo figurado,ou seja, as palavras podem assumir sentidos plurais. Defini-los de forma exclusivamente dicionarizada poderá levar o leitor a equívocos interpretativos, visto que tais versos foram concebidos num nível discursivo que lhes permite transcender as barreiras unissignificativas da palavra dicionarizada.
O eu lírico, quando afirma “Eu não aceito”, explicita para o leitor sua indignação com o modelo econômico que rege o sistema capitalista. Para o eu lírico, a incompletude que o torna abastado pode levá-lo a melhorias sociais e existenciais. Esse ponto de vista é defendido pelo eu lírico de modo claro e preciso no poema.
Os versos 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 do poema em análise poderiam ser substituídos, de modo preciso, pela seguinte frase: Sou um homem que evita utilizar, com frequência, a capacidade imaginativa, pois acredita que a criatividade pode atrapalhar a criticidade e que ambas se opõem no momento em que vamos definir tarefas como acordar às 6 da tarde e apontar lápis.