Retrato
Cecília Meireles
Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida a minha face?
In: MEIRELES, Cecília. Flor de poemas. Rio de Janeiro: Companhia José Aguilar, 1972, p. 63-64.
Lizongea outra vez impaciente a retenção de sua mesma desgraça, aconselhando a esposa neste regallado soneto
Gregório de Matos
Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:
Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:
Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.
Oh não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada.
In: MATOS, Gregório de. Obra poética. v. 1. Rio de Janeiro: Record, 1990, p.507
Sobre o poema de Cecília Meireles, é incorreto afirmar que
a “face” a que o sujeito lírico se refere no último verso é uma metáfora de todo seu ser, significando seu “eu” jovem.
diante de sua imagem, o sujeito lírico percebe que a vida transformou-o em outra pessoa.
a comparação entre a sua própria imagem do passado e a do presente é o estopim para a expressão poética do sujeito lírico.
a reflexão do sujeito lírico sobre a passagem do tempo não se refere apenas à aparência física.
diante de seu autorretrato, o artista que se expressa no poema não sabe como representar sua própria imagem.