Queria evitar, mas me vejo obrigado a falar na literatura da Bruzundanga. É um capítulo dos mais delicados, para tratar do qual não me sinto completamente habilitado.
Dissertar sobre uma literatura estrangeira supõe, entre muitas, o conhecimento de duas coisas primordiais: ideias gerais sobre literatura e compreensão fácil do idioma desse povo estrangeiro. Eu cheguei a entender perfeitamente a língua da Bruzundanga, isto é, a língua falada pela gente instruída e a escrita por muitos escritores que julguei excelentes; mas aquela em que escreviam os literatos importantes, solenes, respeitados, nunca consegui entender, porque redigem eles as suas obras, ou antes, os seus livros, em outra muito diferente da usual, outra essa que consideram como sendo a verdadeira, a lídima, justificando isso por ter feição antiga de dois séculos ou três.
Quanto mais incompreensível é ela, mais admirado é o escritor que a escreve, por todos que não lhe entenderam o escrito.
Lembrei-me, porém, que as minhas notícias daquela distante república não seriam completas, se não desse algumas informações sobre as suas letras; e resolvi vencer a hesitação imediatamente, como agora venço.
A Bruzundanga não poderia deixar de tê-las, pois todo o povo, tribo, clã, todo o agregado humano, enfim, tem a sua literatura e o estudo dessas literaturas muito tem contribuído para nós nos conhecermos a nós mesmos, melhor nos compreendermos e mais perfeitamente nos ligarmos em sociedade, em humanidade, afinal.
Seria uma falha minha nada dizer eu sobre as belas-letras da Bruzundanga que as tem como todos os países, a não ser o nosso que, conforme sentenciou a Gazeta de Notícias, não merece tê-las, pois o literato não tem função social na nossa sociedade, provocando tal opinião protesto de um sociólogo inesperado. Devem estar lembrados desse episódio – creio eu. Continuemos, porém, na Bruzundanga.
Nela, há a literatura oral e popular de cânticos, hinos, modinhas, fábulas etc.; mas todo esse folk-lore não tem sido coligido e escrito, de modo que, dele, pouco lhes posso comunicar.
Porém, um conto popular que me foi narrado com todo o sabor da ingenuidade e dos modismos peculiares ao povo, posso reproduzir aqui, embora a reprodução não guarde mais aquele encanto de frases simples e imagens familiares das anônimas narrações das coletividades humanas. [...]
* folk-lore – mantém-se a forma empregada pelo autor; a escrita atual é folclore. (Lima, Barreto. Os Bruzundangas. São Paulo: DCL, 2005, p. 9)
Para responder a questão a seguir, baseada no texto acima, assinale como CERTO a afirmação verdadeira e como ERRADO a afirmação falsa.
Deve ser classificado de modo idêntico o processo de formação das palavras incompreensível e imediatamente.