Análise Detalhada da Questão
A questão pede para identificar o que a vivência de preconceito e violência, comum na literatura de temática negra, revela sobre o eu lírico no poema "Quebranto" de Cuti.
Passo 1: Leitura e Compreensão do Poema
O poema descreve uma experiência de conflito interno. O eu lírico assume, em relação a si mesmo, papéis de figuras de autoridade e controle que historicamente oprimem ou discriminam:
- "às vezes sou o policial que me suspeito / me peço documentos / e mesmo de posse deles / me prendo e me dou porrada": Aqui, o eu lírico age como uma autoridade repressora contra si mesmo, duvidando da própria legitimidade e aplicando violência física e simbólica.
- "às vezes sou o porteiro / não me deixando entrar em mim mesmo / a não ser / pela porta de serviço": Esta metáfora indica autoalienação e autodepreciação. O eu lírico se impede de acessar sua própria identidade de forma plena, relegando-se a um lugar subalterno ("porta de serviço").
Passo 2: Identificação da Causa do Conflito
O poema explicita a origem dessa autopercepção negativa: "entupido com a visão deles". "Eles" se refere aos opressores, àqueles que detêm uma visão preconceituosa. O eu lírico internalizou essa visão externa e passou a enxergar a si mesmo através dela.
Passo 3: Análise das Ações de Autodestruição
A segunda parte do fragmento intensifica essa ideia de autoataque: "fecho-me o cerco", "sendo o gesto que me nego", "a pinga que me bebo e me embebedo", "o dedo que me aponto / e denuncio", "o ponto em que me entrego". São todas ações que demonstram como o eu lírico se volta contra si mesmo, reproduzindo a opressão que sofre externamente.
Passo 4: Avaliação das Alternativas à Luz da Análise
- A - incorpora seletivamente o discurso do seu opressor: CORRETA. O eu lírico adota as atitudes e a visão ("visão deles") do opressor, agindo contra si mesmo como o policial e o porteiro. A palavra "seletivamente" pode ser entendida pelo "às vezes", indicando que não é um estado permanente, mas recorrente, ou que ele incorpora aspectos específicos desse discurso (suspeita, negação de acesso, etc.).
- B - submete-se à discriminação como meio de fortalecimento: INCORRETA. As ações descritas são de autodestruição ("me dou porrada", "me embebedo", "me entrego"), não de fortalecimento.
- C - engaja-se na denúncia do passado de opressão e injustiças: INCORRETA. A denúncia mencionada ("o dedo que me aponto / e denuncio") é interna, autodirigida. O foco do poema é o impacto psicológico da opressão no presente do eu lírico, não uma denúncia explícita do passado histórico direcionada ao exterior.
- D - sofre uma perda de identidade e de noção de pertencimento: INCORRETA. Embora a internalização da opressão possa levar à perda de identidade (sugerida por "não me deixando entrar em mim mesmo"), a alternativa A descreve mais precisamente o *processo* que causa essa condição, conforme detalhado no poema: a incorporação do discurso alheio. O poema foca mais na *ação* de internalizar do que apenas no *resultado* da perda de identidade.
- E - acredita esporadicamente na utopia de uma sociedade igualitária: INCORRETA. O poema trata do sofrimento causado pela desigualdade e opressão internalizada, não há qualquer indício de crença em uma utopia igualitária. O "às vezes" refere-se à frequência com que o eu lírico assume esses papéis opressores contra si.
Conclusão: A análise do poema mostra que o eu lírico internalizou a visão e as atitudes de seus opressores, voltando-as contra si mesmo. Isso corresponde diretamente à descrição da alternativa A.