QUE FERIMENTOS MERECEM O CORAÇÃO PÚRPURA?
Em alguns casos, questões sobre virtude e honra são óbvias demais para ser negadas.
Consideremos o recente debate sobre quem seria merecedor do Coração Púrpura. Desde 1932, o Exército
dos Estados Unidos outorga essa medalha a soldados feridos ou mortos pelo inimigo durante um combate.
Além da homenagem, a medalha permite privilégios especiais nos hospitais para veteranos.
Desde o início das atuais guerras do Iraque e do Afeganistão, um número cada vez maior de
veteranos vem sendo diagnosticado com estresse pós-traumático e recebendo tratamento. Os sintomas
incluem pesadelos recorrentes, depressão profunda e suicídios. Pelo menos 300 mil veteranos foram
diagnosticados com estresse pós-traumático ou depressão profunda. Os defensores desses veteranos
propuseram que também a eles fosse concedido o Coração Púrpura. Dado que as lesões psicológicas
podem ser no mínimo tão debilitantes quanto as físicas, argumentam, os soldados que sofrem tais traumas
deveriam receber a condecoração.
Depois que um grupo de consultores estudou a questão, o Pentágono anunciou, em 2009, que o
Coração Púrpura seria reservado aos soldados com ferimentos físicos. Veteranos com problemas mentais
e traumas psicológicos não receberiam a medalha, ainda que tivessem direito a tratamentos médicos pagos
pelo governo e a subsídios dados a deficientes. O Pentágono forneceu duas razões para essa decisão:
problemas de estresse pós-traumático não são causados intencionalmente pela ação inimiga e são difíceis
de diagnosticar de forma objetiva.
O Pentágono tomou a decisão certa? Por si sós, essas razões não são convincentes. Na Guerra do
Iraque, uma das lesões que mais habilitava os combatentes a receber o Coração Púrpura era o rompimento
de tímpano causado por explosões em um pequeno raio de proximidade. Diferentemente de balas e
bombas, no entanto, essas explosões não são uma tática inimiga deliberada com o objetivo de ferir ou
matar; elas são (como o estresse pós-traumático) um efeito colateral da ação em campo de batalha. E,
apesar de os problemas traumáticos serem mais difíceis de diagnosticar do que um membro fraturado, o
dano que ocasionam pode ser mais grave e duradouro.
Como foi revelado em uma discussão mais aprofundada sobre o Coração Púrpura, o que está
verdadeiramente em questão é o significado da condecoração e das virtudes que ela homenageia. Quais
são, então, as virtudes relevantes? Diferentemente de outras medalhas militares, o Coração Púrpura
condecora o sacrifício, não a bravura. Ele não pressupõe nenhum ato heroico, apenas um dano infligido
pelo inimigo. A questão é saber que tipo de ferimento deve ser considerado.
Um grupo de veteranos chamado Ordem Militar do Coração Púrpura é contra a condecoração por
danos psicológicos, alegando que isso “rebaixaria” a homenagem. Um porta-voz do grupo alegou que
“derramar sangue” deveria ser uma qualificação essencial. Ele não explicou por que os ferimentos sem
sangue não deveriam ser incluídos. Mas Tyler E. Boudreau, capitão fuzileiro reformado que apoia a
inclusão dos danos psicológicos, faz uma convincente análise da discussão. Ele atribui a oposição
mencionada a uma postura arraigada entre os militares, que veem o estresse pós-traumático como um tipo
de fraqueza. “A mesma cultura que exige um comportamento rigoroso também encoraja o ceticismo quanto
à possibilidade de a violência da guerra atingir a mais saudável das mentes (...). Infelizmente, enquanto
nossa cultura militar mantiver o desdém pelos danos psicológicos de guerra, é pouco provável que tais
veteranos algum dia recebam um Coração Púrpura”.
(Trecho da obra: SANDEL, M. J. Justiça: o que é fazer a coisa certa? (tradução de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo). 17ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. p. 18-20. Texto adaptado).
Com relação às vozes presentes no texto, é correto dizer que
as citações no último parágrafo se alinham com o posicionamento do autor.
o verbo argumentar (“argumentam”), no último período do segundo parágrafo (linha 10), sinaliza que o autor desse discurso é “Os defensores desses veteranos”.
a forma verbal “seria”, no primeiro período do terceiro parágrafo (linha 13), modaliza a introdução de um discurso direto.
os dois pontos, no último período do terceiro parágrafo (linha 15), introduzem, de forma indireta, o discurso do Pentágono.
o autor, nos dois últimos períodos do texto (linhas 36 a 39), se utiliza do recurso das aspas para introduzir o discurso literal de “Um grupo de veteranos”.