Quando a névoa encobriu o corpo de Beira, Cachorro Velho voltou a desabar no solo.
Bufando contra a poeira, lembrou-se da mãe. O rosto lhe chegou de imediato, sem avisar.
Soube que era ela pelos olhos. Pela forma de sua face escura. Pelos seios abundantes, ainda cheios daquele odor que, quando criança, ele buscava em outras mulheres só para reencontrá-la.
Sim, era ela. Havia passado a vida inteira tentando recordá-la, e só naquela hora aziaga seu rosto emergia do Nada.
— Qual é o meu nome? — perguntou à aparição que enchia sua mente. E viu-lhe os lábios grossos se moverem, mas não escutou nenhum som. Os latidos dos cães cobriram a trilha.
Lentamente, a alma do porteiro se levantou no ar e, vislumbrando El Colibrí, entrou na floresta.
CÁRDENAS, Teresa. Cachorro Velho. Rio de Janeiro: Palhas, 2010. p. 141.
Lido no contexto da narrativa, esse fragmento extraído do final do romance sugere
o desnudamento de dramas existenciais, relacionados à ausência materna.
a necessidade de se continuar militando contra os rastros de um passado escravista.
a importância de se preservar a crença em um tempo futuro de libertação.
o ensinamento de legados africanos ainda hoje ameaçados pelo preconceito racial.