PROCURA DA POESIA
[...]
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964. p. 138-139. Fragmento.
Ao longo de sua produção poética, Carlos Drummond de Andrade tratou de temas variados, tanto aqueles presentes na tradição lírica, como o amor, quanto a reflexão sobre o trabalho do poeta. No Texto III, o eu lírico desenvolve a ideia de que
a procura da poesia exige um conhecimento profundo de poemas de domínio público.
a semelhança sonora e gráfica das palavras é condição para a elaboração de um poema.
o caráter persuasivo de um poema depende da multiplicidade de sentidos das palavras.
os poemas devem estabelecer relação com as preocupações e anseios do tempo presente.
o fazer poético transforma as palavras de estado de dicionário em estado de poesia.