PNEUMOTÓRAX
Manuel Bandeira
FEBRE, HEMOPTISE, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
– Diga trinta e três.
– Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
– Respire.
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– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
(BANDEIRA, Manuel. Pneumotórax. In: Manuel Bandeira/Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1993. p. 206.)
Das análises da fortuna crítica literária sobre a obra de Manuel Bandeira, escolha a que pode ser relacionada, especificamente, ao poema Pneumotórax.
No primeiro verso, o eu lírico anuncia que "a vida é um milagre" e que tudo relativo à vida é milagre - flor, pássaro, tempo, memória etc. -, ele não opõe morte e vida; ele apenas expõe que ambas se completam. A sequência do poema demonstra que, para prepararmo-nos para a morte, precisamos entrar em contato estreito com a vida e com seus milagres; principalmente se levarmos em conta a forma como foi escrito - sucessão de anáforas e paralelismos que criam uma espécie de enumeração: iniciado o poema a partir da vida, ele passa por elementos pertencentes ao âmago dessa mesma vida e, no extremo oposto, termina com a morte, acontecimento igualmente íntimo ao imanente. A morte, por sua vez, só tem explicação a partir do que perece, do que passa.
Neste poema, o eu lírico explora os veios da fala cotidiana, coloquial e popular usando um "prosismo poético". Tira o poema de frases de todo dia. Com esse material traduz as dores do mundo, a vida e a morte, não na dolência ou balanceio da poesia habitual, mas numa secura e por vezes num "humor que ostenta a rara qualidade de ser ao mesmo tempo trágico". Já numa primeira leitura, podemos depreender a questão central que se coloca neste texto: a defesa de uma poesia ligada a temas ou imagens simples ou cotidianas e, também, a uma valorização da essência das coisas. No que diz respeito à forma, o poema é composto por versos livres, sem rimas ou métrica regulares.
Neste poema, a memória é como algo que parte de um presente sem "vozes nem risos" em direção a um passado de conforto, em que "havia alegria e humor", e perceberemos que o presente próximo, imanente, transporta o sujeito a um passado ideal, que está além dos balões errantes, do ruído do bonde, do túnel, do silêncio. Um passado que se conserva profundamente dentro do eu lírico, por meio da lembrança de acontecimentos ou da lembrança de pessoas envolvidas em tais episódios.
É um poema erótico que busca na vida e no corpo "a felicidade de amar" a beleza que existe em nós. Não é mais o eu lírico buscando o amor naquilo que é superior e impalpável, carcomido. É, antes, a busca do que lastima e consola a partir do encontro dos corpos, pois as almas são incomunicáveis, tal qual o verso isolado no poema.
Este poema traz um detalhe importante da obra de Manuel Bandeira, a relação intrínseca e aparentemente reclusa do sujeito em relação ao universo que o circunda, não apenas pela referência a Jaime Ovalle.
O texto pode ser visto como um primeiro “grito de libertação” em meio a uma poesia presa pela forma, o poema critica esse aprisionamento (da poesia, da inspiração, do lirismo) por regras e formas preestabelecidas e faz uma alusão ao Parnasianismo. Iniciando pelo exame da organização do plano da expressão, o que primeiro nos chama a atenção é o fato de o poema ser composto em versos livres, dispostos de maneira assimétrica. Outra característica da expressão que “salta aos olhos” é a utilização de versos bastante extensos, como os de número 5 e 10, que podem ser vistos como pequenos trechos em prosa dentro dos poemas.