Ode no Cinquentenário do Poeta Brasileiro
(...)
Certamente não sabias
que nos fazes sofrer.
É difícil de explicar
esse sofrimento seco (...)
Não é o canto da andorinha, debruçada nos telhados da Lapa,
anunciando que tua vida passou à toa, à toa.
Não é o médico mandando exclusivamente tocar um tango
argentino,
diante da escavação no pulmão esquerdo e do pulmão direito
infiltrado.
Não são os carvoeirinhos raquíticos voltando encarapitados nos
burros velhos.
Não são os mortos do Recife dormindo profundamente na noite.
Nem é tua vida, nem a vida do major veterano da guerra do
Paraguai,
a de Bentinho Jararaca
ou a de Christina Georgina Rossetti:
és tu mesmo, é tua poesia,
tua pungente, inefável poesia,
ferindo as almas, sob a aparência balsâmica,
queimando as almas, fogo celeste, ao visitá-las;
é o fenômeno poético, de que te constituíste o misterioso
portador
e que vem trazer-nos na aurora o sopro quente dos mundos,
das amadas exuberantes e das situações exemplares que não
suspeitávamos.
O trecho acima integra o poema “Ode no Cinquentenário do Poeta Brasileiro”, da obra Sentimento do Mundo de Carlos Drummond de Andrade. Dele NÃO É CORRETO afirmar que
utiliza construção que se faz por um jogo antitético consubstanciado por significativo uso de anáforas.
indicia a figura do poeta Manuel Bandeira, objeto da Ode (homenagem), pelas citações de expressivos poemas que conformam seu universo estético.
revela que o que importa não são os poemas nas particularidades de seus temas, mas o fenômeno poético mesmo em sua essência e que faz do poeta seu misterioso portador.
apresenta uma quebra do ritmo poético motivada pelo uso reiterado do gerúndio e pela ausência de correlação sintática entre as orações que se mostram propositalmente incompletas.