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O meu guri
Chico Buarque/1981
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí
Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega no morro com o carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assaltos tá um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
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Observe o texto
A INFÂNCIA VENDADA
Seja qual for a idade de uma criança, sua infância começa a acabar quando ela é obrigada a se espremer contra as paredes de uma viela para se desviar de corpos ensanguentados. A rotina macabra tem sido uma lastimável constante na Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro, que há um mês convive com um brutal confronto de duas quadrilhas de traficantes, entremeado de incursões da polícia. As famílias fazem o que podem para preservar os pequenos, como vedar os olhos dos menorzinhos para que não vejam os cadáveres na rua — dois homens fuzilados na cabeça sob lençóis colocados por moradores. A mulher não quis se identificar, como é comum entre as vítimas do medo em morros conflagrados, das quais o falido Rio de Janeiro está cheio. Sabe-se apenas que ela sustenta filhos e netos vendendo artesanato e reciclando latinhas de alumínio. Tenta, como em tantas outras famílias, manter as crianças estudando, mas, por causa dos tiroteios, as nove escolas da Rocinha, às vezes, têm que permanecer fechadas.
Desde que a carnificina explodiu, em setembro deste ano, o balanço de mortos a bala é de, em média, um por dia na favela encravada na Zona Sul carioca. Embora 1 150 homens das Forças Armadas e da Polícia Militar tenham sido despachados para o morro, a batalha entre chefões do tráfico não dá sinais de arrefecer. Fica a pergunta: até quando a infância continuará a ser interrompida por tiro e sangue?
(Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2017, edição nº 2552, adaptado)
Comparando o texto com a letra da música “O Meu Guri”, podemos afirmar:
A arte representa fielmente a realidade, pois constrói uma representação ressaltada nas fendas, silêncios e multiplicidade de sentidos dos textos.
O cotidiano das pessoas que (sobre)vivem em espaços onde a criminalidade é comum, acaba tornando-as insensíveis e inconformadas.
Os dois textos abordam o mesmo assunto, mas o texto IV diverge do V em alguns aspectos, como os moradores do morro encaram o cotidiano hostil, com indiferença e com aparente tranquilidade.
A criminalidade, por fazer parte da vida dos jovens que vivem no morro de algumas favelas, é a causa de muitos se enveredarem para o mundo do crime. A adolescência é interrompida por tiro e sangue.
Um dos direitos constitucionais – educação – para a população que vive em situações adversas, tornou-se supérfluo.