Observe a sequência a seguir, retirada do capítulo IV de Lucíola, de José de Alencar:
“No dia seguinte à mesma hora voltei à casa de Lúcia; achei-a ao piano.
— O que estava tocando?
— Nem sei!... Uma valsa que aprendi de ouvido.
— Continue!
— Não sei tocar, não! Estava brincando; não tinha que fazer. — Como passou de ontem?
— Bem, obrigado. Já vê que a minha segunda visita não se demorou muito.
— Ainda assim não compensa a demora da primeira.
— Sentiu essa demora?... Qual! ontem nem me conheceu.
— Tanto como na Glória. Ainda que se tivessem passado anos, creio que em qualquer parte onde me encontrasse com o senhor, o reconheceria.
— Por que motivo então fingiu ontem não se lembrar de mim, logo que entrei?
— Por quê?... Queria ver uma coisa.
— E não se pode saber o que era?
— Não é preciso!
— Há de me dizer!...
E tomei-lhe as mãos que estavam frias e trêmulas.
— Pois bem, eu lhe digo. Queria ver se ainda se lembrava do nosso primeiro encontro, respondeu ela furtando o corpo ao meu abraço.
Duvidava?... Não tinha razão; talvez fosse eu o que melhor guardasse essa lembrança”.
Marque a alternativa que contém informações CORRETAS a respeito da narração no romance de Alencar:
No esquema de composição do texto, Paulo, o narrador-personagem, revela estar escrevendo uma “carta” à Sra. G.M. (que seria a organizadora do texto em forma de livro). Mas seu modo de narrar é romanesco e não propriamente epistolar. Rico em descrições e farto de diálogos, o discurso do narrador compõe uma narração unilateral, onisciente, sendo Paulo testemunha e cúmplice das ações da protagonista Lúcia.
A opção pelo narrador em terceira pessoa, com sua isenção e sua onisciência, é um traço de aproximação do romance Lucíola à proposta estética do simbolismo. O uso intenso dos diálogos – criando dinamismo expressivo e verossimilhança - vem reforçar essa tendência.
Lucíola foi publicado depois que José de Alencar já havia se consolidado como o principal autor teatral do Brasil no século XIX, com peças de grande sucesso, como O Noviço. A atenção aos diálogos, bem como a participação mínima do narrador, colocam o texto de Lucíola, pelo seu hibridismo de gênero (meio romance, meio peça teatral), como um dos textos mais modernos de sua época.
A incerteza é um dos traços mais marcantes da expressão do narrador Paulo, que economiza nas descrições e pouco sabe do comportamento, dos pensamentos e dos sentimentos da protagonista Lúcia. É preferencialmente por meio do discurso direto (isto é, de suas falas) que ela se revela. Esse conjunto de procedimentos do narrador é típico do que se vê nas tramas realistas ou naturalistas.
O livro é narrado por Sá, amigo do casal Paulo e Lúcia, que é um narrador-testemunha secundário na ação. Assim, a narrativa tem um caráter rememorativo e esclarecedor, pois tenta desvendar, a partir da perspectiva isenta de um observador externo, os incidentes da paixão vivida por Lúcia e Paulo e as circunstâncias do assassinato dela, motivado pelo ciúme doentio dele.