UNIMONTES 2012/1

O que é o perdão hoje?


[1]      O perdão laico pressupõe uma transformação moral tanto do agressor como de quem foi agredido.
Para haver perdão, é preciso, de um lado, arrependimento sincero e, do outro, disposição para apagar os
ressentimentos. Esse é um processo complexo. Como saber, por exemplo, se o remorso demonstrado por um
assassino é verdadeiro ou apenas um gesto dissimulado? Como é possível mirar em seus olhos, lembrar de
[5]  seus crimes e ainda assim dar o indulto que lhe permitirá sentir-se menos sufocado pelo peso da culpa? Em
entrevista a VEJA, Guilherme de Pádua - o homem que, junto com sua então mulher, Paula Thomaz,
matou a atriz Daniella Perez, em 1992 - diz que espera ser perdoado pela mãe da vítima, a dramaturga
Glória Perez. Pádua acha que não é atendido porque, segundo ele, "o perdão está nas mãos de quem
perdoa". Vale a ressalva: ser merecedor de perdão está nas mãos de quem deseja ser perdoado. Pádua
[10]  preenche esse requisito?
      A ideia de que perdoar exige um processo de mão dupla é empregada com naturalidade nas mais
diversas instâncias da vida contemporânea - entre marido e mulher, entre colegas de trabalho, entre
nações, entre empresas e consumidores. Trata-se, no entanto, de um conceito recente em termos históricos e
que reflete uma conquista ética da civilização ocidental. No livro Before Forgiveness - The Origins ofa
[15]  Moral Idea (Antes do Perdão - As Origens de uma Ideia Moral), previsto para chegar em setembro às
livrarias americanas, o filósofo David Konstan, da Universidade Brown, em Rhode Island, diz que a fórmula
acima não existia nem na Antiguidade clássica nem no início do cristianismo. O conjunto de valores e
atitudes que forma a moderna concepção de perdão tampouco era encontrado nas culturas orientais, na
América pré-colombiana ou nas tribos africanas. "Até o Iluminismo, no século XVIII, o perdão só existia
[20]  com a intermediação divina", diz Konstan. No sistema moral da Grécia antiga, por exemplo, não havia
admissão de culpa. Os erros humanos eram frequentemente atribuídos ao capricho dos deuses. Em todos os
documentos do período que descrevem algum pedido de desculpas, não há remorso verdadeiro por parte de
quem cometeu o erro, apenas um desejo de se livrar de uma possível punição. Na Odisseia, de Homero,
Ulisses mata cada um dos 108 pretendentes à mão de sua esposa, Penélope. Um deles, Eurímaco, pede
[25]  clemência e oferece dinheiro como reparação. Não há arrependimento por parte de Eurímaco, mas a
intenção de se safar da morte. No segundo livro de Retórica, uma extensa análise das emoções humanas, o
filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) avalia a raiva e o seu oposto, o apaziguamento. O pensador sugere
várias maneiras de apaziguar uma pessoa irada. Uma delas é mostrando arrependimento: "As pessoas
sentem-se mais dispostas diante de quem não as enfrenta". Em nenhum momento, no entanto, Aristóteles
[30]  sugere a necessidade de uma mudança na atitude do agressor.
      Nos tempos do Império Romano, um gladiador podia, a pedido do público reunido ao redor da arena,
receber a piedade de César e ser poupado da morte. O imperador usava essa benevolência inclusive nos
campos de batalha, a fim de atrair inimigos para o seu lado. Havia, portanto, um cálculo político por trás da
absolvição. O Velho e o Novo Testamento também trazem histórias de perdão, mas sempre como uma
[35]  dádiva divina. Quando Jesus ressuscita Lázaro e perdoa seus pecados, é acusado de blasfêmia por uma
testemunha. Jesus responde: "O Filho do Homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados". Com
isso, dá a entender que é o representante de Deus e, portanto, pode agir em Seu nome. Essa prerrogativa -
conferida mais tarde aos papas e aos padres - era tão valorizada que a Igreja Católica, na Idade Média,
passou a cobrar dos fiéis para redimir seus pecados. A venda de indulgências pelo papado só era possível
[40]  porque uma pessoa não podia perdoar a outra. No máximo, podia abster-se de procurar vingança como uma
forma de ganhar pontos para, posteriormente, conseguir a própria redenção junto a Deus. O islamismo segue
o mesmo princípio. O sentido moderno do perdão surgiu da revolução do pensamento ético liderada pelo
filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804). O pensador insistia na autonomia moral do homem em
relação a Deus. Isso criou a condição para um entendimento secular de perdão entre as pessoas, no qual o
[45] remorso e a mudança interior do agressor deveriam ser julgados não por Deus, mas pela pessoa ofendida,
que faria o esforço quase sobre-humano de ver o outro como alguém merecedor do perdão. Já quem se
arrepende o faz não por ser virtuoso, mas porque a natureza humana é capaz de mudar.

      O filósofo americano Charles Gris-wold, professor da Universidade de Boston, estabelece três
passos básicos para obter perdão. Primeiro, deve-se assumir a responsabilidade pelo erro. Segundo, é
[50]  preciso repudiar claramente esse erro, mostrando que não se pretende repeti-lo. Terceiro, deve-se exprimir o
arrependimento pela dor causada ao próximo. Esse roteiro é cumprido com exatidão por empresas que têm
adotado o mea-culpa em suas relações com o consumidor.
Veja, 28/7/2010 (Adaptação).

Releia o seguinte trecho:

"Como saber, por exemplo, se o remorso demonstrado por um assassino é verdadeiro ou apenas um gesto dissimulado? Como é possível mirar em seus olhos, lembrar de seus crimes e ainda assim dar o indulto que lhe permitirá sentir-se menos sufocado pelo peso da culpa?" (Linhas 3-5)

Marque a única alternativa que apresenta uma análise CORRETA do fragmento citado.

a

"Como", nas duas ocorrências, é um advérbio interrogativo.

b

Os adjetivos "verdadeiro" e "dissimulado" exercem, na passagem, função sintática idêntica.

c

A oração "mirar em seus olhos", no 2º período da passagem, classifica-se como substantiva objetiva direta.

d

O advérbio "menos" passaria a "menas", se o adjetivo "sufocado" fosse feminino.

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A
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