O que é certo é que, a respeito de letras, sou versado em estatística, pecuária, agricultura, escrituração mercantil, conhecimentos inúteis neste gênero. Recorrendo a eles, arrisco-me a usar expressões técnicas, desconhecidas do público, e a ser tido por pedante. Saindo daí, a minha ignorância é completa. E não vou, está claro, aos cinquenta anos, munir-me de noções que não obtive na mocidade.
Não obtive, porque elas não me tentavam e porque me orientei num sentido diferente. O meu fito na vida foi apossar-me das terras de S. Bernardo, construir esta casa, plantar algodão, plantar mamona, levantar a serraria e o descaroçador, introduzir nestas brenhas a pomicultura e a avicultura, adquirir um rebanho bovino regular. Tudo isso é fácil quando está terminado e embira-se em duas linhas,
mas para o sujeito que vai começar, olha os quatro cantos e não tem em que se pegue, as dificuldades são terríveis. Há também a capela, que fiz por insinuações de padre Silvestre.
Ocupado com esses empreendimentos, não alcancei a ciência de João Nogueira nem as tolices do Gondim. As pessoas que me lerem terão, pois, a bondade de traduzir isto em linguagem literária, se quiserem. Se não quiserem, pouco se perde. Não pretendo bancar escritor. É tarde para mudar de profissão. E o pequeno que ali está chorando necessita quem o encaminhe e lhe ensine as regras de bem viver.
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 2020 (com adaptações).
No trecho do romance São Bernardo, o narrador expõe as dificuldades que enfrenta recorrendo
a paródia, voltada para a imitação da fala sertaneja.
à metalinguagem, característica da ficção modernista.
ao lirismo, marcado pelas frases curtas e metafóricas.
ao regionalismo, concentrado na produção de imagens sobre o espaço.
ao concretismo, devido à descrição objetiva dos problemas.