O Poeta e a Lua
Em meio a um cristal de ecos
O poeta vai pela rua
Seus olhos verdes de éter
Abrem cavernas na lua.
A lua volta de flanco
Eriçada de luxúria
O poeta, aloucado e branco
Palpa as nádegas da lua.
Entre as esferas nitentes
Tremeluzem pelos fulvos
O poeta, de olhar dormente
Entreabre o pente da lua.
Em frouxos de luz e água
Palpita a ferida crua
O poeta todo se lava
De palidez e doçura.
Ardente e desesperada
A lua vira em decúbito
A vinda lenta do espasmo
Aguça as pontas da lua.
O poeta afaga-lhe os braços
E o ventre que se menstrua
A lua se curva em arco
Num delírio de volúpia.
O gozo aumenta de súbito
Em frêmitos que perduram
A lua vira o outro quarto
E fica de frente, nua.
O orgasmo desce do espaço
Desfeito em estrelas e nuvens
Nos ventos do mar perpassa
Um salso cheiro de lua
E a lua, no êxtase, cresce
Se dilata e alteia e estua
O poeta se deixa em prece
E míngua e se apazigua...
O poeta desaparece
Envolto em cantos e plumas
Enquanto a noite enlouquece
No seu claustro de ciúmes.
Neste poema, de Vinícius de Moraes, a seleção vocabular, bem como o ritmo e a cadência melódica, configuram um tema, dominantemente,
fantasioso-onírico, revelado pela alucinação do poeta, diante da beleza da noite e da lua, representada pelas formas femininas.
erótico-sensual, indiciado nos gestos masculinos e nas insinuações do feminino, ligados à realização dos desejos e à entrega amorosa.
místico-religioso, motivado pelo uso do éter, pelo envolvimento da noite e pelo clima de prece em que o poeta se deixa ficar.
espiritual-lírico, entrevisto na seleção vocabular que personifica e metaforiza um corpo de mulher.
filosófico-mítico, presente na manifestação dos instintos e desejos libidinosos humanos.