O mato do Mutúm é um enorme mundo preto, que nasce dos buracões e sobe a serra. O guará-lobo trota a vago no campo. As pessôas mais velhas são inimigas dos meninos. Soltam e estumam cachorros, para ir matar os bichinhos assustados — o tatú que se agarra no chão dando guinchos suplicantes, os macacos que fazem artes, o coelho que mesmo até quando dorme todo-tempo sonha que está sendo perseguido. O tatú levanta as mãozinhas cruzadas, ele não sabe — e os cachorros estão rasgando o sangue dele, e ele pega a sororocar. O tamanduá. Tamanduá passeia no cerrado, na beira do capoeirão. Ele conhece as árvores, abraça as árvores. Nenhum nem pode rezar, triste é o gemido deles campeando socôrro. Todo choro suplicando por socôrro é feito para Nossa Senhora, como quem diz a salve-rainha. Tem uma Nossa Senhora velhinha. Os homens, pé-ante-pé, indo a peitavento, cercaram o casal de tamanduás, encantoados contra o barranco, o casal de tamanduás estavam dormindo. Os homens empurraram com a vara de ferrão, com pancada bruta, o tamanduá que se acordava. Deu som surdo, no corpo do bicho, quando bateram, o tamanduá caiu pra lá, como um colchão velho. R
ROSA, G. Noites do sertão (Corpo de baile). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
Na obra de Guimarães Rosa, destaca-se o aspecto afetivo no contorno da paisagem dos sertões mineiros.
Nesse fragmento, o narrador empresta à cena uma expressividade apoiada na
plasticidade de cores e sons dos elementos nativos.
dinâmica do ataque e da fuga na luta pela sobrevivência.
religiosidade na contemplação do sertanejo e de seus costumes.
correspondência entre práticas e tradições e a hostilidade do campo.
humanização da presa em contraste com o desdém e a ferocidade do homem.
A questão pede para identificar em que se apoia a expressividade da cena narrada no fragmento de Guimarães Rosa. A expressividade, nesse contexto, refere-se à força emocional e ao impacto que a descrição causa no leitor.
Passo 1: Leitura Atenta do Fragmento
Leia o texto com atenção, observando como os elementos da natureza, especialmente os animais, e os seres humanos são descritos. Note a linguagem peculiar de Guimarães Rosa.
Passo 2: Identificar o Foco da Descrição
O narrador descreve o ambiente ("mato do Mutúm", "campo", "cerrado") e os animais (guará-lobo, tatu, macacos, coelho, tamanduá). O ponto central, no entanto, parece ser a interação violenta entre os humanos ("pessoas mais velhas", "homens") e os animais. Há uma clara ênfase no sofrimento dos bichos.
Passo 3: Analisar a Caracterização dos Animais
Observe como os animais são apresentados. Eles não são meros elementos da paisagem; o narrador lhes atribui características e sentimentos humanos:
Essa atribuição de qualidades humanas a seres não humanos é chamada de humanização ou prosopopeia/personificação.
Passo 4: Analisar a Caracterização dos Humanos
Em contraste, os humanos são descritos de forma a ressaltar sua crueldade e indiferença:
Passo 5: Avaliar as Alternativas
Passo 6: Conclusão
A expressividade do fragmento apoia-se fundamentalmente na maneira como o narrador descreve os animais, conferindo-lhes sentimentos e reações humanas (humanização), e os contrasta com a ação cruel e insensível dos homens. Portanto, a alternativa correta é a E.
Para resolver esta questão, é importante entender alguns conceitos:
Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.