Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espalhou o céu.
(Fernando Pessoa. Obras poéticas (volume único). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 16) (G e R, p. 148)
Nessas estrofes,
as marcas simbolistas estão no emprego de mar salgado e além do Bojador como alegorias da decadência de Portugal.
os versos livres, convocados para empolgar um tom épico, denunciam a presença de um poeta modernista.
os efeitos da irregularidade métrica são compensados pela estrita observância de um esquema de rimas.
os versos cadenciados e a eloquência da linguagem ajustam-se ao tema grandioso das glórias passadas de um povo.
o intimismo lírico e o tom épico contrastam admiravelmente, o que também ocorre entre o tom formal e o informal da linguagem.