O livro Da arte de falar bem – Crônicas de saudade e bem-querer –, de José Chagas, trata das suas experiências e vivências no cotidiano de São Luís e de outras cidades maranhenses.
Não tinha mais do que seis anos de idade. E toda essa infância era gasta em alegrar a casa com risos, cantos e indagações curiosas. Pelas manhãs, eu gostava de conversar com ela, curvar-me um pouco à inocência que, por sua vez, parecia erguer-se diante de mim, como ansiosa de aprender as coisas que escapavam ao seu limitado mundo e iam fundar as razões do meu atribulado campo de adulto. E ela não percebia que nesses instantes eu me transformava num aprendiz de infância, eu tentava recordar-me tão pequeno quanto ela.
Durante os três meses que passei naquela casa de pensão da rua da Manga, pude medir aos poucos a distância que vai de mim ao menino que fui, sentir quanto estou longe de minha própria infância, e compreender afinal que é quase um crime de minha parte o contato hoje com a infância alheia.
A menina, porém, não tinha nenhum receio. Apenas me achava curioso e incompreensível. A minha adquirida lógica de homem crescido não me deixava assimilar todo o conteúdo de sua linguagem simples.
[...]
Fonte: CHAGAS, José. Da arte de falar bem. São Luís: Instituto Geia, 2004.
A leitura do fragmento revela que o sentimento do cronista, em relação a si próprio, face aos fatos ocorridos é o seguinte:
Hesita quanto ao modo de se relacionar com a menina com receio de se intrometer na ‘infância alheia’.
Reconhece que as experiências do mundo da criança são dispensáveis para o mundo do adulto.
Impõe-se um distanciamento diante da menina, para resguardar a lógica de homem crescido.
Considera-se, diante de suas lembranças, incapaz de lidar com a infância alheia.
Aproveita a convivência com a menina para ensiná-la sobre o que é ser criança.