UPF Verão 2017

O legado simbólico está garantido

[1]  Legado é uma palavra perigosa quando aplicada a eventos que alavancam o uso de dinheiro público em infraestrutura, pois é um

[2]  substantivo futuro empregado como argumento para justificar gastos bilionários em obras. Numa cidade de um país em que as propinas

[3]  vêm sendo regra em empreitadas que podem ruir ou se transformar em elefantes brancos, falar em legado material no finzinho de um

[4]  evento é uma aposta no escuro.

[5]  Quando a Força Nacional e os esquemas especiais que fizeram o Rio parecer um modelo de cidadania e organização durante os 15 dias

[6]  de 2016 deixarem a cidade, o carioca vai cair na real e “no real”, no sentido lacaniano: as forças ocultas de nosso abismo vão continuar

[7]  insistindo em “não se inscrever” na consciência que temos de seus resultados. A cidade, partida por algo monstruoso, subterrâneo,

[8]  renascerá: UPPs na lona, milícias, violência policial, Estado falido e acéfalo, calamidade na saúde, a baía poluída.

[9]  Há, contudo, um legado imaterial que, paradoxalmente, é mais fácil de ser constatado, aferido, e até comprovado desde já: o Rio, quando

[10]  recursos são alocados para onde devem, pode ser a cidade que gostaria de ser. E sentimos esse gosto, como uma promoção por tempo

[11] determinado. O improviso desse exemplo, motivado por um dinheiro de exceção (do COI e das obras), trouxe para o carioca um espelho

[12]  ideal de si mesmo, refletido em bilhões de televisores e monitores Brasil adentro e mundo afora.

[13]  A não ser que algo ainda aconteça nessa segunda-feira que já amanheceu e segue o giro das 24 horas finais da despedida, a experiência

[14]  mágica da Olimpíada transcorreu sem acidentes especialmente graves, sem desmoronamentos, sem vexames organizacionais, sem

[15]  mortes de atletas atacados por mosquitos, sem ondas descontroladas de assaltos ou violência e sem atentados terroristas.

[16]  O “eu acredito” gritado nas competições flutuou também na esfera do acreditar na cidade, no país, um “Yes, we can” lastreado em

[17]  histórias como a da judoca Rafaela: apesar do descaso do poder público, alguém pode sair da Cidade de Deus e ir morar no Olimpo por

[18]  algumas temporadas. A fama de mais bela cidade do mundo se cristalizou, a gentileza e a amizade dos cariocas foi exaltada, a troca

[19]  cultural foi intensa e frutífera. (...) O incidente dos banheiros australianos na Vila Olímpica terminou com o canguru de pelúcia na mão

[20]  do prefeito, e teve alta simbologia: depois do susto, não se soube de outra delegação que reclamasse ostensivamente, e o canguru acabou

[21]  como amuleto invertido do sucesso dos Jogos. A água verde de algumas piscinas acabou dando até um charme à paleta multicolorida do

[22] evento, apesar de alguns olhos irritados. De resto, as instalações funcionaram como uma caixinha de música, com muita música, por

[23]  sinal.

[24]  O metrô (com a Linha 4 cercada de suspeitas inevitáveis), as filas de BRT com ônibus a cada 15 segundos, os trens, as passarelas: quem

[25]  circulou não teve do que reclamar, não houve tumultos, pisoteamentos. Foi um bom exercício, mas atenção: a maquiagem termina hoje.

[26]  Circulando, circulando, vamos saber. Mas não teve quebra-quebra nem hooligans (coisa de Eurocopa), a não ser, claro, a gangue mijona

[27]  de nadadores americanos liderada por Ryan Lochte, o mané modelo dos Jogos.

[28]  Trapalhada que, aliás, pode ser considerada uma espécie de cereja no bolo do legado imaterial, e com alto poder marquetológico: o único

[29]  assalto a atletas foi uma farsa de estrangeiros e, ainda que os seguranças do posto tenham agido de maneira não exatamente exemplar, o

[30]  assunto virou top story em grandes redes de TV ianques, e a maior superpotência do planeta se curvou ao Brasil. (...)

[31]  Paralelamente, outro atleta americano, Michael Phelps, em postagem no seu Twitter, disse já estar com saudades do Brasil, de seu povo,

[32]  de sua beleza. Totalmente abrasileirado, Usain Bolt, na final do futebol, em que o Brasil conquistou o ouro contra a Alemanha, filmou

[33] o gol de falta de Neymar e deve ser tema de desfile de escola de samba ou convidado para desfilar em 2017. Na final do revezamento

[34]  no Engenhão, o homem mais rápido do mundo, agora aposentado e desempregado, mostrou que já sabe sambar. (...)

[35]  Bem mais tarimbado, outro profissional do “NYT”, o colunista e repórter Roger Cohen, que já viveu no Brasil dos anos 1980, escreveu

[36]  um artigo apontando o que mudou de lá para cá (era correspondente durante o governo Sarney), a consciência que o país tem hoje de

[37]  seus problemas e o esforço que vem fazendo para superar a corrupção endêmica. Ele se disse cansado de toda a aposta contra a realização

[38]  a tempo das tarefas para os Jogos, da ladainha idealizada sobre a selva-Brasil, e, com fina ironia, reclamou de se culpar o Rio por não

[39]  ter resolvido “todos os seus problemas sociais antes da Rio-2016”: “Há algo no mundo desenvolvido que não gosta de um país em

[40]  desenvolvimento que organiza um evento esportivo de grande envergadura”, escreveu, terminando por dizer que não adianta: o Brasil

[41]  será um dos atores principais do século XXI.

[42]  Num mundo em que tudo é marca, esse “algo” que busca excluir o Brasil do futuro foi bombardeado pelo sucesso da Rio-2016, que

[43]  virou uma trademark não só de nossa visibilidade, mas de nossa viabilidade como cidade e como país. Este é o legado simbólico mais

[44]  forte. É preciso, porém, que a vontade de potência seja acompanhada pela vontade política com um viés de vetor social. Do contrário, o

[45]  ciclo de vida da nova marca será curto.

(BLOCH, Arnaldo. O legado simbólico está garantido. 22 de agosto de 2016. O Globo. Adaptado. Disponível em http://oglobo.globo.com/esportes/o-legado-simbolico-esta-garantido-19969374 . Acesso em 22 ago. 2016)

 

Responda, com base no texto “O legado simbólico está garantido”, a questão a seguir

Assinale a alternativa na qual a relação verbo (em negrito) e sujeito (sublinhado) está incorreta:

a

“O ‘eu acredito’ gritado nas competições flutuou também na esfera do acreditar na cidade, no país, um ‘Yes, we can’ lastreado em histórias como a da judoca Rafaela: apesar do descaso do poder público, alguém pode sair da Cidade de Deus e ir morar no Olimpo por algumas temporadas” (linhas 16-18).

b

“Paralelamente, outro atleta americano, Michael Phelps, em postagem no seu Twitter, disse já estar com saudades do Brasil, de seu povo, de sua beleza” (linhas 31-32).

c

“Totalmente abrasileirado, Usain Bolt, na final do futebol, em que o Brasil conquistou o ouro contra a Alemanha, filmou o gol de falta de Neymar” (linhas 32-33).

d

A cidade, partida por algo monstruoso, subterrâneo, renascerá: UPPs na lona, milícias, violência policial, Estado falido e acéfalo, calamidade na saúde, a baía poluída” (linhas 7-8).

e

“A não ser que algo ainda aconteça nessa segunda-feira que já amanheceu e segue o giro das 24 horas finais da despedida, a experiência mágica da Olimpíada transcorreu sem acidentes especialmente graves” (linhas 13-14).

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