O fogão de lenha aceso era um altar. A gente adorava, sem saber. O fogo. A lenha queimava, perfumando o ar com o cheiro das resinas que a madeira chorava através de suas gretas. E de repente voavam fagulhas estalando e pequenos fogos de artifício. O fogo avermelhava os rostos. A prosa era sempre sobre coisas de antigamente que todos já conheciam. “Pai, conta daquela vez que, pra visitar a mamãe, você atravessou a enchente do rio num tacho do engenho de cana puxado por uma corda...” A conversa era só uma desculpa para estar juntos. A conversa era uma continuação das mãos. As palavras tinham carne. Na sala de visitas, lugar de cadeiras em ângulo reto, o silêncio criava incômodo. Não podia ser. O vazio era o nada. Silêncio seria falta de educação com as visitas. Mas na cozinha, diante do fogo, o silêncio era bem-vindo. Só contemplar o fogo já bastava. Era um silêncio carnudo, cheio de ser, tranquilo e feliz. O fogo incendiava a imaginação. Um espaço com um fogo aceso é um espaço aconchegante. As sombras não param. Movem-se ao sabor da dança das chamas. O fogo tranquiliza a alma, espanta os medos. Faz lugar para os pensamentos vagabundos que não querem nada
(Rubem Alves, Correio Popular, 31/07/05).
Assim diz o autor: “Mas na cozinha, diante do fogo, o silêncio era bem-vindo.” Essa afirmação de Rubem Alves expressa um ponto de vista sobre o fogo, que – segundo o texto – relaciona-se
ao sentido de alheamento dos indivíduos humanos diante da possibilidade de contemplação.
a uma ideia de sacralidade que possibilita a contemplação e o encontro.
às configurações utilitaristas, baseadas nas necessidades práticas de sobrevivência da criatura humana.
à necessidade humana de buscar sentido à existência a partir de um rebuscamento subjetivo de valores ancestrais.
a um estado de graça, que desestabiliza os encontros e provoca a contemplação.