O Discutível Humor Étnico
[1] O Ministério Público Feredal (MPF) de Minas Gerais recomendou que fosse tirado do ar o comercial
que faz piada, aliás, sem muita graça, a respeito da
rivalidade entre brasileiros e argentinos. A propaganda
[5] de uma marca de cerveja mostra torcedores com a
camisa da seleção argentina que, depois de abrirem
uma lata, são chamados de "maricón".
Piadas sobre argentinos são frequentes em nos-
so páis. No google existem nada menos que 428 mil
[10] referências a respeito, superando em número as 417
mil piadas de português. "Curte sacanear os argenti-
nos?", pergunta um dos sites, para acrescentar, cúm
plice: "Nós também".
Essas piadas se enquadram no chamado humor
[15] étnico, extremamente difundido em nosso mundo. Nos
Estados Unidos são alvos preferenciais os poloneses,
considerados pouco inteligentes, os chineses por co-
merem cachorro, os mexicanos, por usarem carros
caindo aos pedaços. Em muitos outros países, exis
[20] tem ditos e anedotas similares. O humor étnico cor-
responde a um estereótipo, em geral agressivo. O
sociólogo americano Gordon Allport criou uma escala
sobre a agressividade intergrupal, com cinco graus.
Assim, um grupo pode ser ignorado ou evitado, pode
[25] serfrancamente discriminado, pode ser fisicamente
atacado ou pode ser francamente exterminado - o
Holocausto, negado pelo presidente do Irã. Mas tudo,
diz Allport, começa com palavras, frases insultuosas,
anedotas que constituem o primeiro grau da agressão.
[30] Pergunta: tem o humor étnico alguma base na
realidade? Pode ter. Os chineses comiam cachorro
por falta de outras fontes de proteína. Os mexicanos
compravam carros velhos porque eram pobres. Os
judeus, na Idade Média, tornaram-se usurários porque
[35] outros ramos da atividade econômica lhes foram proi-
bidos. Tomem, no Brasil, o caso dos portugueses. Os
primeiros que aqui chegaram, os donatários, por
exemplo, não eram objeto de gozação. No século XIX,
vieram portugueses pobres, incultos, que sobreviviam
[40] graças ao trabalho físico ; daí as anedotas. Mas depois
Portugal entrou no Mercado Comum Europeu, prospe-
rou, e as piadas se foram, substituídas pelas de baia-
no, que também sumiram, felizmente. O fato de alguns
argentinos classificarem os brasileiros como "macaqui-
[45] tos" alude, de maneira grosseira e ofensiva, à presen-
ça dos negros em nossa população. A crua observa-
ção pode gerar perigoso preconceito - quando as
pessoas começam a acreditar que o característico
"está no sangue", que é inevitável, e que, no caso
[550] extremo chega ao extermínio.
Humor é para ser engraçado, para provocar riso,
mas pode ser uma coisa problemática. Na dúvida, é
melhor evitar esse tipo de anedotas ou de ditos, e
neste sentido fez muito bem o MPF de Minas Gerais.
[55] Propaganda de cerveja já é coisa muito duvidos;
associada a uma piada ofensiva, fica ainda pior. Pia-
das sobre argentinos podem ser engraçadas, desde
que contadas ou endossadas pelos próprios argenti-nos.
(SCLIAR, Moacyr. Zero Hora, 29 de junho de 2010. Texto adaptado)
Com base nas ideias e nas estruturas linguísticas do texto I, assinale a alternativa correta.
A vírgula depois de “prosperou” (l.41-42), apesar de não atender à prescrição gramatical, não precisaria ser retirada, dado o caráter informal do texto.
As expressões “donatários” (l.37) e “Gordon Allport” (l.22) possuem características apositivas.
O emprego das aspas nos dois primeiros parágrafos do texto se justifica por isolar expressões consideradas gírias, não pertencentes ao padrão culto da língua.
As propagandas, de acordo com o texto, oferecem ao público uma credibilidade e não podem compactuar com tal comportamento discriminatório.
O vocábulo “por” na linha 17 e na linha 58 (“pelos”) introduz termos de idêntica função sintática.