O cochilo da gramática
Quem imagina que alunos podem aprender a ler e a escrever fazendo exercícios de gramática deveria ter desistido da teoria e da consequente empreitada, seja por motivações teóricas, seja pelas evidências empíricas.
As razões teóricas são muitas, mas uma é essencial: saber analisar (ainda que se tratasse de fato de análise!) não tem nada a ver com saber escrever e saber ler. Pode-se confirmar isso de muitas maneiras, mas bastaria invocar o fato de que grandes escritores escreveram antes de haver gramáticas (Aristóteles, Sófocles, Cícero, Camões…).
Os fatos empíricos deveriam ter impacto demolidor, mas a turma não se rende: quanto mais se ensina que não se deve dizer “me parece / me dá um dinheiro”, mais estas construções são usadas (quem defende este tipo de ensino deveria também estudar um pouco mais, para dar-se conta de que não há erro no caso, mas simplesmente uma diferença entre o português do Brasil e o de Portugal; além disso, por que insistir em algumas construções de lá, e não em todas, então, inclusive em sua pronúncia?)
Os defensores duros do ensino de gramática poderiam, além disso, dar-se conta de que um volume que tenha a palavra “gramática” na capa contém tópicos bem diferentes entre si. Simplificando: uma coisa é ensinar que se deve dizer “Prefiro isto a aquilo” [e não “Prefiro (mais) isto do que aquilo”], tese que se poderia discutir à luz da mudança da língua; outra coisa é ensinar que “isto” é um objeto direto e “aquilo” é um indireto.
POSSENTI, S. Disponível em: http://www.revistaeducacao.com.br/o-cochilo-da-gramatica/. Acesso em: 10 ago. 2018. Fragmento.
No texto, o autor defende a tese de que
a descrição das estruturas da língua requer novos métodos pedagógicos.
a validade da análise gramatical é questionável do ponto de vista científico.
o aprendizado da leitura e da escrita prescinde do ensino da gramática tradicional.
escritores célebres da antiguidade desconheciam a gramática de sua língua materna.