O ciclista
Dalton Trevisan
Curvado no guidão lá vai ele numa chispa. Na esquina dá com o sinal vermelho e não se perturba – levanta voo bem na cara do guarda crucificado. No labirinto urbano persegue a morte com o trim-trim da campainha: entrega sem derreter sorvete a domicílio.
É sua lâmpada de Aladino a bicicleta e, ao sentar-se no selim, liberta o gênio acorrentado ao pedal. Indefeso homem, frágil máquina, arremete impávido colosso, desvia de fininho o poste e o caminhão; o ciclista por muito favor derrubou o boné.
Atropela gentilmente e, vespa furiosa que morde, ei-lo defunto ao perder o ferrão. Guerreiros inimigos trituram com chio de pneus o seu diáfano esqueleto. Se não se estrebucha ali mesmo, bate o pó da roupa e – uma perna mais curta – foge por entre nuvens, a bicicleta no ombro.
Opõe o peito magro ao para-choque do ônibus. Salta a poça d´água no asfalto. Num só corpo, touro e toureiro, golpeia ferido o ar nos cornos do guidão.
(TREVISAN, D. O ciclista. In: BOSI, A. (org). O conto brasileiro contemporâneo. 14 ed. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 189.)
Em relação aos elementos constitutivos do conto, NÃO está correto afirmar que:
A bicicleta, em referência intertextual a lâmpada de Aladim, é vista como um instrumento mágico, algo fantástico que propicia comida à mesa do ciclista.
A identificação do espaço da narrativa enfatiza o isolamento e a vulnerabilidade do sujeito moderno e urbano.
A presença de metáforas é fundamental para construir a estética modernista do texto com sua atmosfera intensamente poética.
O narrador, ao apresentar a personagem apenas como “o ciclista”, mantém o clima de suspense que culmina com a identificação de seu nome.