O Azulão e os tico-ticos
[1] Do começo ao fim do dia,
um belo Azulão cantava,
e o pomar que atento ouvia
o seus trilos de harmonia,
[5] cada vez mais se enflorava.
Se um tico-tico e outras aves
vaiavam sua canção...
mais doce ainda se ouvia
a flauta desse Azulão.
[10] Um papagaio, surpreso
de ver o grande desprezo,
do Azulão, que os desprezava,
um dia em que ele cantava
e um bando de tico-ticos
[15] numa algazarra o vaiava,
lhe perguntou: “Azulão,
olha, dize-me a razão
por que, quando estás cantando
e recebes uma vaia
[20] desses garotos joviais,
tu continuas gorgeando
e cada vez canta mais?!”
Numas volatas sonoras,
o Azulão lhe respondeu:
[25] “Caro Amigo! Eu prezo muito
esta garganta sublime
e esta voz maravilhosa...
este dom que Deus me deu!
Quando, há pouco, eu descantava,
[30] pensando não ser ouvido
nestes matos por ninguém,
um Sabiá*, que me escutava,
num capoeirão, escondido,
gritou de lá: — meu colega,
[35] bravos! Bravos... muito bem!
Pergunto agora a você:
quem foi um dia aplaudido
pelo príncipe dos cantos
de celestes harmonias,
[40] (irmão de Gonçalves Dias,
um dos cantores mais ricos...)
— que caso pode fazer
das vaias dos tico-ticos?”
* Nota do editor: Simbolicamente, Rui Barbosa está representado
neste Sabiá, pois foi a “Águia de Haia” um dos maiores admiradores
de Catulo e prefaciador do seu livro Poemas bravios.
(Poemas escolhidos, s/d.)
Se, nos versos 32 e 33, as palavras “Sabiá” e “capoeirão” fossem pronunciadas “sa-bi-á” e “ca-po-ei-rão”, tais versos quebrariam o padrão e o ritmo dos demais, pois passariam a ser
heptassílabos.
octossílabos.
eneassílabos.
hexassílabos.
decassílabos.