UERJ 2015/1

O ARRASTÃO

 

[1] Estarrecedor, nefando, inominável, infame. Gasto logo os adjetivos porque eles fracassam em

dizer o sentimento que os fatos impõem. Uma trabalhadora brasileira, descendente de escravos,

como tantos, que cuida de quatro filhos e quatro sobrinhos, que parte para o trabalho às quatro

e meia das manhãs de todas as semanas, que administra com o marido um ganho de mil e

[5] seiscentos reais, que paga pontualmente seus carnês, como milhões de trabalhadores brasileiros,

é baleada em circunstâncias não esclarecidas no Morro da Congonha e, levada como carga no

porta-malas de um carro policial a pretexto de ser atendida, é arrastada à morte, a céu aberto,

pelo asfalto do Rio.

Não vou me deter nas versões apresentadas pelos advogados dos policiais. Todas as vozes

[10] terão que ser ouvidas, e com muita atenção à voz daqueles que nunca são ouvidos. Mas, antes

das versões, o fato é que esse porta-malas, ao se abrir fora do script, escancarou um real que

está acostumado a existir na sombra.

O marido de Cláudia Silva Ferreira disse que, se o porta-malas não se abrisse como abriu (por

obra do acaso, dos deuses, do diabo), esse seria apenas “mais um caso”. Ele está dizendo:

[15] seria uma morte anônima, aplainada1 pela surdez da praxe2, pela invisibilidade, uma morte não

questionada, como tantas outras.

É uma imagem verdadeiramente surreal, não porque esteja fora da realidade, mas porque

destampa, por um “acaso objetivo” (a expressão era usada pelos surrealistas3), uma cena

recalcada4 da consciência nacional, com tudo o que tem de violência naturalizada e corriqueira,

[20] tratamento degradante dado aos pobres, estupidez elevada ao cúmulo, ignorância bruta

transformada em trapalhada transcendental5, além de um índice grotesco de métodos de

camuflagem e desaparição de pessoas. Pois assim como Amarildo6 é aquele que desapareceu

das vistas, e não faz muito tempo, Cláudia é aquela que subitamente salta à vista, e ambos

soam, queira-se ou não, como o verso e o reverso do mesmo.

[25] O acaso da queda de Cláudia dá a ver algo do que não pudemos ver no caso do desaparecimento

de Amarildo. A sua passagem meteórica pela tela é um desfile do carnaval de horror que

escondemos. Aquele carro é o carro alegórico de um Brasil, de um certo Brasil que temos que

lutar para que não se transforme no carro alegórico do Brasil.

José Miguel Wisnik Adaptado de oglobo.globo.com, 22/03/2014. 

Todas as vozes terão que ser ouvidas, e com muita atenção à voz daqueles que nunca são. (l. 9-10)

Esta frase contém um ponto de vista que se baseia na pressuposição da existência de:

a

testemunhas omissas do caso

b

falhas importantes nos processos

c

segmentos excluídos da população

d

imparcialidades frequentes nos julgamentos

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C
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