ULBRA Medicina 2015

Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que

testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele

não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem

regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai

mandou fazer para si uma canoa.

Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como

para caber justo o remador. Mas teve de ser toda, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na

água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a ideia. Seria que, ele, que nessas artes não

vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era

mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre.

Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras

palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia

esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca

volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos.

Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito

perguntei:

- "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto

me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e

desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles

espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa

verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos

nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.

Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que

não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que,

nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra

sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas —

passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a

tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então,

pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se

gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s\'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se

arrependia, por uma vez, para casa.

No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a ideia que

senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio,

enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de

pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no aolonge,

sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o

de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que

fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se

encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito

não se demonstrava.

Leia as afirmações que seguem abaixo e assinale a alternativa correta.

 

I – O discurso oral do narrador, aliado às orações coordenadas e breves, garante um ritmo lento e pausado à leitura.

 

II – A sintaxe é recriada, provocando estranheza no leitor, como podemos perceber no trecho a seguir: “Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele.”

 

III – Ao sair à procura da terceira margem do rio, o pai busca o desconhecido dentro de si mesmo.

 

IV – A estranha história do homem que abandona sua família para viver em uma canoa e nunca mais sair dela é o argumento para discorrer sobre o medo do desconhecido.

 

Está (ão) correta (s):

a

I e II.

b

II e III.

c

III e IV.

d

Somente a IV.

e

I, II, III e IV.

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Resposta
A
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