No livro História do Brasil: 1500-1627, Frei Vicente do Salvador (c. 1564-1639) descreve certa prática indígena referente aos prisioneiros de guerra: ―Em morrendo este preso, logo as velhas o despedaçam e lhe tiram as tripas e forçura [víscera], que mal lavadas cozem para comer, e reparte-se a carne por todas as casas e pelos hóspedes que vieram a esta matança, e dela comem logo assada e cozida e guardam alguma, muito assada e mirrada, a que chamam moquém, metida em novelos de fio de algodão e postas nos caniços ao fumo, pera [para] depois renovarem o seu ódio e fazerem outras festas.‖ (São Paulo: Weiszflog, 1918, livro I, capítulo XVII, p. 68). O ritual descrito por frei Vicente do Salvador é reatualizado poeticamente por Gonçalves Dias (1823-1864), que, ao fazê-lo, se torna o porta-voz do indianismo romântico. É o que se observa no trecho
―Na caça ou na lide, / Quem há que me afronte?! / A onça raivosa / Meus passos conhece, / O imigo [inimigo] estremece, / E a ave medrosa / Se esconde no céu.‖. (―O canto do guerreiro‖)
―Em tanto as mulheres com leda trigança [pressa], / Afeitas ao rito da bárbara usança, / O índio já querem cativo acabar: / A coma [cabeleira] lhe cortam, os membros lhe tingem.‖. (―I-Juca Pirama‖)
―E tu dormes, ó Piaga [pajé] divino! / E Anhangá [espírito que vaga pela terra] te proíbe sonhar! / E tu dormes, ó Piaga, e não sabes, / E não podes augúrios cantar?!‖. (―O canto do piaga‖)
―Era feio, medonho, tremendo, / Ó Guerreiros, o espectro que eu vi. / Falam Deuses nos cantos do Piaga [pajé], / Ó Guerreiros, meus cantos ouvi!‖. (―O canto do piaga‖)
―Tupã, ó Deus grande! teu rosto descobre: / Bastante sofremos com tua vingança! / Já lágrimas tristes choraram teus filhos / Teus filhos que choram tão grande mudança.‖. (―Deprecação)