“No ano de 590, quando a peste e a fome devastam a Gália, um enxame de moscas faz enlouquecer um camponês de Berry enquanto este cortava lenha na floresta. Ele se transforma em pregador itinerante, vestindo peles de animais, acompanhado de uma mulher a quem chama de Maria, enquanto ele mesmo se faz passar por Cristo. Ele anuncia o futuro, cura os doentes. Segue-o uma multidão de camponeses, pobres e até mesmo padres. Sua atitude ganha logo um aspecto revolucionário. [...] O bispo do Puy manda assassiná-lo e, torturando a pobre Maria, consegue as confissões desejadas.”
Jacques Le Goff. Por uma outra Idade Média. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 181-182
O relato expõe traços de uma mentalidade que caracterizou o Ocidente medieval. Entre esses traços, pode-se mencionar:
a proliferação de heresias e a atitude tolerante, da parte dos líderes políticos e religiosos, ante as diferentes crenças.
o temor diante de fenômenos naturais e a visão, pelos setores hegemônicos, do campesinato como potencialmente perigoso.
a hegemonia do pensamento místico e a inexistência, entre os camponeses, de conhecimentos sobre a fauna e a flora.
o caráter violento das relações sociais e o desprezo, pelos setores eclesiásticos, em relação ao meio ambiente.