Na obra Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles reescreve de forma poética a história oficial de eventos da Inconfidência Mineira, rebelião ocorrida em Vila Rica, no fim do século XVIII, cenário dos “romances” que compõem a referida obra.
Romance LIII ou Das palavras aéreas
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
no vento que não retorna.
[...]
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
[...]
Ai, palavras, ai, palavras,
íeis pela estrada afora,
erguendo asas muito incertas,
entre verdade e galhofa,
desejos do tempo inquieto,
promessas que o mundo sopra...
Ai, palavras, ai, palavras,
mirai-vos: que sois, agora?
[...]
Perdão podíeis ter sido!
— sois madeira que se corta,
— sois vinte degraus de escada,
— sois um pedaço de corda...
— sois povo pelas janelas,
cortejo, bandeiras, tropa...
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Éreis um sopro na aragem...
— sois um homem que se enforca!
Fonte: MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. São Paulo: Global, 2012.
Com base na leitura dos versos, em que se veem relações entre memória, história e literatura, pode-se fazer o seguinte comentário sobre a linguagem do fazer poético:
A caracterização da natureza pelo eu lírico sugere ideais de uma vida em harmonia, distante de conflitos, o que demonstra uma influência da poesia árcade.
A concisão, a forma de elocução nos versos e o estado contemplativo do eu poético demonstram a intenção de destacar sutilezas políticas, à época da rebelião mineira .
A emoção do eu poético parte da observação do real, por meio de lembranças de outras épocas, para construir um texto fluido, com imagens criadas por componentes expressivos da linguagem.
A preocupação em estruturar versos com rimas preciosas e o cuidado em selecionar vocábulos raros revelam o propósito de aprimorar a linguagem, para resgatar a beleza de fatos históricos.
A construção poética exemplifica marcantes características da segunda geração do Romantismo: adjetivação exagerada e sentimentalismo profundo, ao evocar fatos da rebelião mineira.