Na obra
Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, há um “momento” em que ocorre uma conversa entre Severino, o retirante sertanejo, e Seu José, mestre carpina, um habitante dos manguezais de Recife. Nessa conversa, Severino pergunta a mestre carpina “se não vale mais saltar / fora da ponte e da vida”. Antes de começar a responder a Severino, mestre carpina é chamado por uma vizinha, que lhe anuncia o nascimento do filho esperado. Depois de ver as saudações a seu filho, mestre carpina continua, com Severino, a conversa interrompida. Observe essa conversa.
– Severino retirante,
deixa agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.
MELO NETO, João Cabral. Morte e vida severina. In: Poesias completas. 3ª Ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979, p.236-241
Conforme o texto,