USF Geral 2014/2

Mia Couto: “O português do Brasil vai dominar”

O romancista moçambicano afirma que o poder que o país tem de exportar cultura está contagiando

todos os países de língua portuguesa

    A língua portuguesa está se transformando, muito por causa do papel das nações emergentes

[5] lusófonas da África. Nesta entrevista exclusiva a ÉPOCA, concedida em São Paulo, o escritor

moçambicano Mia Couto, de 59 anos, diz que, apesar da renovação de linguagem que a África

apresenta hoje, o Brasil reúne condições para se tornar a nação dominante do ponto de vista cultural

e linguístico. Em relação aos países africanos, Couto diz que é preciso distinguir entre independência

e descolonização – e que a África ainda não enfrentou o segundo termo. Para ele, o Brasil serviu

[10] como modelo para a formação da identidade nacional das nascentes nações lusófonas da África,

mas pelo lado da mistificação, o que se esgotou rapidamente. Ele afirma que o Brasil virou as costas

para a África.

 

    ÉPOCA – O uso do português em várias nações gerou diferenças de vocabulário e uso. O

[15] português está se transformando a ponto de se desfigurar?

    Mia Couto – O português é uma língua viva, não ________ ela seja especialmente diferente.

Mas ela viveu essa coisa que se chama Brasil. Vive a África que está se apropriando dela com cinco

países africanos que o fazem de modo diverso. É evidente que é preciso um cuidado para que a

língua continue com uma identidade e um fundamento. As diferenças do português em vários países

[20] não são sentidas como um problema, salvo um grupo de intelectuais conservadores do Brasil e

de Portugal que tem um certo gosto de se apropriar da pureza da língua. De resto, existe nos países

lusófonos até um gosto de visitar essas diferenças. O que está acontecendo de forma inelutável é

que a variante brasileira será dominante. O português do Brasil vai dominar.

 

[25]    ÉPOCA – ________?

    Couto – Por causa do tamanho do Brasil e da capacidade que o país tem de exportar a si

próprio, por via da novela de televisão. Há coisas que estamos pegando de vocês, brasileiros, que

vocês nem notam. É o caso da expressão “todo mundo”. É uma expressão típica brasileira. Nos

outros países dizemos “toda gente”. Mas hoje “todo mundo” é comum em Moçambique. Outra

[30] palavra é cambalacho... Deve ser uma expressão africana.

 

    ÉPOCA – “Cambalacho” é um termo do lunfardo, da gíria portenha, que incorporamos... É como

“bacana’, do lunfardo argentino. Há uma troca. Eu lamento que não saibamos mais sobre as formas

de falar da África. O Brasil exporta, mas não sabe absorver o que vem de fora.

[35]    Couto – O Brasil quis fazer uma batalha dentro da própria língua para se tornar independente

de Portugal. Houve a afirmação de uma identidade própria que se expressa na língua. O Brasil sofre

do peso de seu próprio tamanho. Sofreu um processo autocêntrico, que agora está sendo repensado

e está mais propenso a escutar aquilo que vem de Moçambique, Angola e Timor Leste. Ele tem

muita coisa da África, mas é antigo. Agora o país importa o vocabulário do Brasil. Nós, africanos,

[40] temos que ser mais ativos e mais criativos nessa troca com o Brasil.

 

    ÉPOCA – Na palestra que o senhor fará no Brasil, o senhor chama atenção para o perigo de o

pensamento se fechar em si mesmo. Como mantê-lo aberto?

    Couto – As fronteiras são vitais, todo organismo cria seus próprios limites. As fronteiras na

[45] natureza são feitas para intercambiar. Mas na civilização as fronteiras são feitas para fechar, para

enclausurar. A grande aprendizagem nossa é nos manter em uma fronteira que crie pontes. O

grande problema hoje é que as fronteiras criadas entre culturas, civilizações e povos nascem para

fechar. As fronteiras são construídas a partir do medo do outro, do desconhecido. O outro é

apresentado como uma ameaça, aquele que tem uma outra política, uma outra religião.

 

    ÉPOCA – O medo é também um problema político? Erguer fronteiras – políticas, culturais,

linguísticas e espirituais – é uma necessidade humana?

    Couto – É uma necessidade humana, mas não da maneira como fazemos. Tivemos outras

maneiras. Há culturas de hoje que são abertas, feitas para o convívio, para a partilha. Na África,

muitas dessas fronteiras são vivas. As fronteiras se fecham às vezes. O fato de serem países em

que o Estado homogêneo e todo-poderoso não existe torna as fronteiras ávidas de deixarem de ser

fronteiras. É uma condição diferente da dos países europeus, árabes, asiáticos e nos Estados

Unidos. O medo hoje é bem distribuído, numa narrativa que contaminou tudo.

 

[60]    ÉPOCA – ________ a Europa está caminhando na direção da exclusão do imigrante e de sua

transformação em mão de obra?

    Couto – Isso acontece como uma maneira de ocultar os problemas internos que essas

sociedades têm. É uma forma de escamotear os conflitos internos desses universos. Existem razões

[65] que tendem a culpar o outro, sempre o estranho. É como as famílias que recomendam às crianças

que não falem com estranhos. Quando, na realidade, as grandes violências são cometidas dentro da

casa. Essa versão começa a ser inculcada desde a infância.

Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2014, às 13h48min (fins pedagógicos).

Assinale a opção correta acerca dos mecanismos gramaticais do texto.

a

No trecho para o perigo de o pensamento se fechar (l. 42-43), a contração da preposição de com o artigo o deveria ter sido obrigatoriamente feita, pois a separação dessas duas palavras é incorreta do ponto de vista normativo.

b

A forma verbal torna (l. 56) poderia ter sido flexionada no plural, tornam, já que seu sujeito apresenta dois núcleos, ou seja, é composto.

c

Se a expressão na direção (l. 60) fosse substituída por em direção, a preposição de empregada no trecho original depois de na direção seria substituída pela preposição a, fato que criaria condições para o emprego do acento indicativo de crase sobre essa palavra.

d

Seria possível inserir uma vírgula depois da palavra nações (l. 14) mantendo a correção gramatical do período e o sentido original da oração, uma vez que deve ser feita uma pausa na leitura desse trecho.

e

A escolha do autor pela preposição de em ávidas de deixarem (l. 56) implicou uma construção condenada pela norma culta do nosso idioma, já que o adjetivo em questão rege a preposição a, e não de.

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C
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