Me chamem de velha
Sugeri a uma amiga que trocasse a palavra “idosas” por “velhas” em um texto. E fui informada de que era impossível, porque as pessoas sobre as quais ela escrevia se recusavam a ser chamadas de “velhas”: só aceitavam ser “idosas”. Pensei: “roubaram a velhice”. As palavras escolhidas – e mais ainda as que escapam – dizem muito, como Freud já nos alertou há mais de um século. Se testemunhamos uma epidemia de cirurgias plásticas na tentativa da juventude para sempre (até a morte), é óbvio esperar que a língua seja atingida pela mesma ânsia. Acho que “idoso” é uma palavra fotoshopada – ou talvez um lifting completo na palavra “velho”. E saio aqui em defesa do “velho” – a palavra e o ser /estar de um tempo que, se tivermos sorte, chegará para todos.
Desde que a juventude virou não mais uma fase da vida, mas uma vida inteira, temos convivido com essas tentativas de tungar a velhice também no idioma. Vale tudo. Asilo virou casa de repouso, como se isso mudasse o significado do que é estar apartado do mundo. Velhice virou terceira idade e, a pior de todas, “melhor idade”. Tenho anunciado a amigos e familiares que, se alguém me disser, em um futuro não tão distante, que estou na “melhor idade”, vou romper meu pacto pessoal de não violência. O mesmo vale para o primeiro que ousar falar comigo no diminutivo, como se eu tivesse voltado a ser criança. Insuportável.
BRUM, Eliane. A menina quebrada. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2013.
Diante das ideias contidas no texto, podemos afirmar que, para a autora,
“melhor idade” diz bem o que é a velhice.
as palavras refletem os modos de pensar.
as palavras também envelhecem.
idoso e velho são sinônimos.
os velhos voltam a ser crianças.
Para responder esta questão corretamente, o aluno deve compreender o principal argumento apresentado pela autora no texto. Eliane Brum discute a forma como a sociedade contemporânea tenta 'esconder' a velhice por meio de eufemismos e expressões que suavizam o processo de envelhecimento. Ela critica essa tendência e defende a utilização da palavra 'velho', argumentando que as palavras escolhidas refletem o modo como pensamos e lidamos com a questão da idade.
Atente-se ao tom crítico da autora em relação às formas como a linguagem é utilizada para falar sobre a velhice.
Identifique o argumento central do texto e como a autora se posiciona quanto ao uso de determinadas palavras.
Considere a relação entre a palavra e o significado que a sociedade atribui a ela.
Achar que a autora concorda com o termo 'melhor idade' sem perceber a ironia.
Desconsiderar o contexto no qual as palavras são empregadas.
Confundir a mudança no uso das palavras com o processo de envelhecimento delas.
Assumir que 'idoso' e 'velho' são usados de forma intercambiável sem reconhecer as conotações que a autora critica.
Interpretar literalmente a frase sobre falar com idosos no diminutivo.
Eliane Brum no texto faz uma reflexão sobre como as palavras são empregadas para moldar a percepção que temos sobre a velhice. Ela argumenta que a linguagem é parte de como a sociedade lida com questões de idade e como o uso de eufemismos para se referir aos idosos é uma forma de negar a velhice.