— Mas que Humanitas é esse?
— Humanitas é o princípio. Há nas coisas todas certa substância recôndita e idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, — ou, para usar a linguagem do grande Camões:
Uma verdade que nas coisas anda,
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa sustância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas.
Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem. Vais entendendo?
— Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
— Não há morte. O encontro de ditas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
(ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Quincas Borba. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. p. 648-649.)
Nesse excerto, Quincas Borba explica a base de sua teoria humanitista, finalizando com a máxima “Ao vencedor, as batatas”. O personagem apresenta, em seu discurso, uma concepção
subjetiva, tipicamente romântica, que revela uma visão idealizada da guerra.
maniqueísta, tipicamente parnasiana, que vê o mundo dividido entre o bem e o mal.
ingênua, tipicamente determinista, que expressa uma visão destituída de valores morais.
pragmática, tipicamente naturalista, que expressa um olhar impassível diante de vitórias ou mortes.
estereotipada, tipicamente realista, que enxerga os homens como seres movidos por instintos primitivos.