“Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganar-me sempre. Não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito.”
(DESCARTES, René. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 100. Coleção Os Pensadores)
O excerto acima é parte da segunda meditação presente na obra Meditações concernentes à Primeira Filosofia, de Descartes. O trecho enuncia especificamente o Cogito cartesiano, ideia que desempenha um papel importantíssimo no projeto filosófico do autor.
Sobre esse excerto, a filosofia de Descartes e seus desdobramentos na teoria do conhecimento na Idade Moderna, assinale a alternativa correta.
Descartes é considerado um dos precursores da Filosofia e da Ciência moderna. A busca do Cogito cartesiano evidencia a tentativa de fundamentação do método empírico elaborado pelo autor. Esse método resultará, mais tarde, na obra Discurso do Método, que até hoje é usada como fonte para o desenvolvimento de pesquisas empíricas.
O Cogito é o ponto indubitável que fornece o fundamento ao projeto filosófico cartesiano de reconstrução das ciências sobre um solo firme e constante. Essa certeza do eu que é, na verdade, uma res cogitans, que somente pode reconhecer sua existência enquanto pensa ou duvida, interrompe o processo dubitativo cartesiano, marcando o ponto de abandono de seu ceticismo metodológico.
Uma das características do projeto filosófico de Descartes é a crítica ao conhecimento que tem como fonte de justificação as nossas percepções. Por isso mesmo, o autor francês elabora o método da dúvida. No trecho, fica claro que o Cogito é o produto do processo dubitativo hiperbólico, que é expressão do ceticismo radical adotado pelo autor. Uma vez que coloca em dúvida as sensações do indivíduo, Descartes coloca em dúvida a própria existência do eu que duvida.
O Cogito é o verdadeiro fundamento do projeto cartesiano. Essa ideia será, por si mesma, suficiente para a reconstrução de todo o edifício do conhecimento humano. O Cogito permite a interrupção do processo dubitativo cético, fornecendo também uma saída para a armadilha do solipsismo.
Apesar da aplicação de certas criações de René Descartes na Matemática, como o plano cartesiano, o racionalismo e o inatismo cartesianos foram completamente abandonados pelos filósofos posteriores, principalmente, pelos empiristas Locke, Hume, Bacon, Leibniz, Husserl, entre outros. Na visão desses filósofos canônicos, o Cogito era solipsista e não permitia uma recuperação do mundo. Além disso, Descartes não teria fornecido nenhuma alternativa para esse fechamento na intuição da certeza do eu.