Leia um trecho do ensaio “Intemperança”, de Renato Janine Ribeiro, para responder à questão.
Temperança é, pois, a capacidade de controlar a si próprio. Já a palavra “intemperança” é menos dicionarizada: seria apenas o antônimo da temperança. Desejo, contudo, colocar o foco em duas ideias que têm a ver com o verbo “temperar”. Quando se fala em temperança, há um parentesco com a prática, hoje caindo em desuso, de temperar a água. Evidentemente, com as facilidades atuais em termos de aquecer e resfriar a água do chuveiro ou da banheira, não é mais preciso todo o trabalho (que havia faz menos de um século) de trazer caldeirões de água fervendo e outros de água mais fria, num laborioso esforço para chegar à temperatura desejada e, mais que isso, mantê-la. Esquecemos quanto era difícil regular a temperatura da água do banho para não ser nem muito quente nem fria, para permitir o contato adequado com a pele — uma água aquecida o bastante para limpar, mas não quente a ponto de estragar nossa epiderme. A água diz-se temperada quando está na justa medida para o banho. A temperança começa, assim, com uma relação com os líquidos, e em especial com o líquido mais natural, a água.
Mas nossa “última flor do Lácio”, a meu ver tão rica justamente por ser a última, confere outro sentido — raro em outros idiomas, se é que o têm — ao verbo “temperar”, que é o de dar tempero ou sabor aos alimentos. Aqui estamos longe do projeto de levar a um estado intermediário, nem quente nem frio. Ao contrário, o que se pretende é aguçar o sabor, extremar o tempero do que se vai comer. Curiosamente, esse sentido do temperar se entende para os alimentos, não para os líquidos, com raras exceções — por exemplo, temperam- -se sucos de tomate.
É interessante esse descompasso entre o uso tradicional do verbo “temperar”, que remete à virtude da temperança e foi intenso num passado não tão remoto em termos de datas, mas já fora de nossa experiência pessoal e mesmo oral, e o seu cada vez mais frequente uso atual, que parece neutro em termos éticos: o de temperar o alimento. Contrastam-se, assim, uma temperança ligada à temperatura e um tempero que se realiza no picante.
(Adauto Novaes (org.). Vida vício virtude, 2009.)
A forma verbal destacada deve sua flexão ao termo sublinhado em
“É interessante esse descompasso entre o uso tradicional do verbo “temperar”, que remete à virtude da temperança e foi intenso num passado não tão remoto em termos de datas” (3o parágrafo)
“Esquecemos quanto era difícil regular a temperatura da água do banho para não ser nem muito quente nem fria” (1o parágrafo)
“Curiosamente, esse sentido do temperar se entende para os alimentos, não para os líquidos, com raras exceções — por exemplo, temperam-se sucos de tomate.” (2o parágrafo)
“Mas nossa ‘última flor do Lácio’, a meu ver tão rica justamente por ser a última, confere outro sentido — raro em outros idiomas, se é que o têm — ao verbo ‘temperar’” (2o parágrafo
“Quando se fala em temperança, há um parentesco com a prática, hoje caindo em desuso, de temperar a água.” (1o parágrafo)