Leia os textos a seguir.
Texto 3
[...]
JOÃO GRILO
É, Chicó, o padre tem razão. Quem vai ficar engraçado é ele e uma coisa é o motor do major Antônio Morais e outra benzer o cachorro do major Antônio Morais.
PADRE (mão em concha no ouvido)
Como?
JOÃO GRILO
Eu disse que uma coisa era o motor e outra o cachorro do major Antônio Morais.
PADRE
E o dono do cachorro de quem vocês estão falando é Antônio Morais?
JOÃO GRILO
É. Eu não queria vir, com medo de que o senhor se zangasse, mas o major é rico e poderoso e eu trabalho na mina dele. Com medo de perder meu emprego, fui forçado a obedecer, mas disse a Chicó: o padre vai se zangar.
PADRE (desfazendo-se em sorrisos)
Zangar nada, João! Quem é um ministro de Deus para ter direito de se zangar? Falei por falar, mas também vocês não tinham dito de quem era o cachorro!
[...]
Ariano Suassuna
Texto 4
[...]
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçados da cinza.
[...]
João Cabral de Melo Neto
Texto 5
O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira
Texto 6
A Rosa de Hiroshima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor, sem perfume
Sem rosa, sem nada.
Vinícius de Moraes
Texto 7
Morte do Leiteiro
A Cyro Novaes
Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade
Na mão, a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro
morador na Rua Namur,
empregado no entreposto,
com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria.
E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro...
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.
Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que
acorda,
resmunga e torna a dormir.
Mas este acordou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.
Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame
médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.
Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.
Carlos Drummond de Andrade
Analise as proposições que se referem aos textos de 3 a 7.
I. Os cinco textos são representativos da produção literária brasileira após a Semana de Arte Moderna, por isso todos eles são em versos livres e pertencem ao gênero lírico, expressando as emoções de um eu poético intimista na primeira pessoa do singular.
II. Todos os textos são em versos, exceto o primeiro que recupera uma personagem da Literatura Popular de caráter picaresco, João Grilo, cujo comportamento imprime um tom cômico ao texto, quando do uso da palavra cachorro com duplo sentido, dando a entender que se refere tanto ao animal como ao seu patrão, tal como em: “Eu disse que uma coisa era o motor e outra o cachorro do major Antônio Morais.”
III. Os textos 3 e 4 são autos, isto é, peças medievais de origem popular, as quais revelam influência vicentina, tanto por serem divididas em cenas e não em atos quanto por apresentarem crítica social e linguagem popular. Contudo, o texto 3 difere do texto 4 e dos autos vicentinos, por se estruturar em prosa.
IV. Os textos 5, 6 e 7 são poemas que tratam respectivamente de aspectos sociais atuais: a pobreza absoluta resultando da fome; os resultados da explosão atômica em Hiroshima, metaforicamente apresentado tal qual uma rosa: “sem cor e sem perfume/Sem rosa sem nada” e a violência urbana, consequência da falta de segurança oficial, provocando a morte de inocentes.
V. Os textos 3, 4, 5, 6 e 7, cada um, a seu modo, critica a sociedade; em todos eles, os aspectos sociais, alvo da crítica, ainda que sejam os mesmos, são temas já ultrapassados, tendo em vista que todos os autores já faleceram, por isso pertencem ao passado, sem haver repercussão nem continuidade na sociedade contemporânea.
Estão CORRETAS apenas
I, II e V.
II, III e IV.
I, II e III.
IV e V.
III, IV e V.