UPE SSA 2019

Leia os textos a seguir.

 

Texto 3


[...]
JOÃO GRILO
É, Chicó, o padre tem razão. Quem vai ficar engraçado é ele e uma coisa é o motor do major Antônio Morais e outra benzer o cachorro do major Antônio Morais.

 

PADRE (mão em concha no ouvido)
Como?

 

JOÃO GRILO
Eu disse que uma coisa era o motor e outra o cachorro do major Antônio Morais.

 

PADRE
E o dono do cachorro de quem vocês estão falando é Antônio Morais?

 

JOÃO GRILO
É. Eu não queria vir, com medo de que o senhor se zangasse, mas o major é rico e poderoso e eu trabalho na mina dele. Com medo de perder meu emprego, fui forçado a obedecer, mas disse a Chicó: o padre vai se zangar.

 

PADRE (desfazendo-se em sorrisos)
Zangar nada, João! Quem é um ministro de Deus para ter direito de se zangar? Falei por falar, mas também vocês não tinham dito de quem era o cachorro!
[...]

Ariano Suassuna

 

Texto 4


[...]
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçados da cinza.
[...]

João Cabral de Melo Neto

 

Texto 5

 

O Bicho

 

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

 

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

 

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

 

O bicho, meu Deus, era um homem.

Manuel Bandeira

 

Texto 6


A Rosa de Hiroshima


Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor, sem perfume
Sem rosa, sem nada.

Vinícius de Moraes

 

Texto 7


Morte do Leiteiro

A Cyro Novaes

 

Há pouco leite no país,

é preciso entregá-lo cedo.

Há muita sede no país,

é preciso entregá-lo cedo.

Há no país uma legenda,

que ladrão se mata com tiro.

Então o moço que é leiteiro

de madrugada com sua lata

sai correndo e distribuindo

leite bom para gente ruim.

Sua lata, suas garrafas

e seus sapatos de borracha

vão dizendo aos homens no sono

que alguém acordou cedinho

e veio do último subúrbio

trazer o leite mais frio

e mais alvo da melhor vaca

para todos criarem força

na luta brava da cidade

 

Na mão, a garrafa branca

não tem tempo de dizer

as coisas que lhe atribuo

nem o moço leiteiro ignaro

morador na Rua Namur,

empregado no entreposto,

com 21 anos de idade,

sabe lá o que seja impulso

de humana compreensão.

E já que tem pressa, o corpo

vai deixando à beira das casas

uma apenas mercadoria.

 

E como a porta dos fundos

também escondesse gente

que aspira ao pouco de leite

disponível em nosso tempo,

avancemos por esse beco,

peguemos o corredor,

depositemos o litro...

Sem fazer barulho, é claro,

que barulho nada resolve.

 

Meu leiteiro tão sutil

de passo maneiro e leve,

antes desliza que marcha.

É certo que algum rumor

sempre se faz: passo errado,

vaso de flor no caminho,

cão latindo por princípio,

ou um gato quizilento.

E há sempre um senhor que

acorda,

resmunga e torna a dormir.

 

Mas este acordou em pânico

(ladrões infestam o bairro),

não quis saber de mais nada.

O revólver da gaveta

saltou para sua mão.

Ladrão? se pega com tiro.

Os tiros na madrugada

liquidaram meu leiteiro.

Se era noivo, se era virgem,

se era alegre, se era bom,

não sei,

é tarde para saber.

 

Mas o homem perdeu o sono

de todo, e foge pra rua.

Meu Deus, matei um inocente.

Bala que mata gatuno

também serve pra furtar

a vida de nosso irmão.

Quem quiser que chame

médico,

polícia não bota a mão

neste filho de meu pai.

Está salva a propriedade.

A noite geral prossegue,

a manhã custa a chegar,

mas o leiteiro

estatelado, ao relento,

perdeu a pressa que tinha.

 

Da garrafa estilhaçada,

no ladrilho já sereno

escorre uma coisa espessa

que é leite, sangue... não sei.

Por entre objetos confusos,

mal redimidos da noite,

duas cores se procuram,

suavemente se tocam,

amorosamente se enlaçam,

formando um terceiro tom

a que chamamos aurora.

Carlos Drummond de Andrade

 

Analise as proposições que se referem aos textos de 3 a 7.


I. Os cinco textos são representativos da produção literária brasileira após a Semana de Arte Moderna, por isso todos eles são em versos livres e pertencem ao gênero lírico, expressando as emoções de um eu poético intimista na primeira pessoa do singular.
II. Todos os textos são em versos, exceto o primeiro que recupera uma personagem da Literatura Popular de caráter picaresco, João Grilo, cujo comportamento imprime um tom cômico ao texto, quando do uso da palavra cachorro com duplo sentido, dando a entender que se refere tanto ao animal como ao seu patrão, tal como em: “Eu disse que uma coisa era o motor e outra o cachorro do major Antônio Morais.”
III. Os textos 3 e 4 são autos, isto é, peças medievais de origem popular, as quais revelam influência vicentina, tanto por serem divididas em cenas e não em atos quanto por apresentarem crítica social e linguagem popular. Contudo, o texto 3 difere do texto 4 e dos autos vicentinos, por se estruturar em prosa.
IV. Os textos 5, 6 e 7 são poemas que tratam respectivamente de aspectos sociais atuais: a pobreza absoluta resultando da fome; os resultados da explosão atômica em Hiroshima, metaforicamente apresentado tal qual uma rosa: “sem cor e sem perfume/Sem rosa sem nada” e a violência urbana, consequência da falta de segurança oficial, provocando a morte de inocentes.

V. Os textos 3, 4, 5, 6 e 7, cada um, a seu modo, critica a sociedade; em todos eles, os aspectos sociais, alvo da crítica, ainda que sejam os mesmos, são temas já ultrapassados, tendo em vista que todos os autores já faleceram, por isso pertencem ao passado, sem haver repercussão nem continuidade na sociedade contemporânea.

 

Estão CORRETAS apenas

a

I, II e V.

b

II, III e IV.

c

I, II e III.

d

IV e V.

e

III, IV e V.

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Resposta
B
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