Leia os fragmentos do romance Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum, para responder a QUESTÃO.
Minha história com Dinaura começou naquela semana. Ela queria namorar comigo. Agora sou uma carcaça, mas fui um jovem vistoso. E ainda tinha posses. Isso conta, não é? Era o que eu pensava. Mas a riqueza não foi suficiente. Quer dizer, não serviu para muita coisa. A gente se encontrava aos sábados, não havia folga para outras tardes de amor. Os regulamentos do orfanato eram severos. (...) Foi um namoro silencioso. Às vezes, eu escutava a voz de Dinaura nos sonhos. Uma voz mansa e um pouco cantada, que falava de um mundo melhor no fundo do rio. De repente, ela ficava muda, assombrada com alguma coisa que o sonho não revelava.
(...)
No portão, madre Caminal deu a notícia:
Dinaura anda por aí.
Em Vila Bela?
Ninguém sabe.
Olhei para a religiosa e perguntei em voz muito alta por que mentia para mim.
Não merecias aquela moça. Como podes ser filho de Amando Cordovil?
(...)
Comecei a procurar Dinaura na cidade, Iá de porta em porta, os moradores ainda se lembravam dos presentes e favores de Amando: o emprego numa repartição pública, um vestido de noiva, um brinquedo, uma rede, uma passagem de barco e até dinheiro. Perguntava por minha amada e ouvia o nome de Amando. Florita jurou que ela não estava em Vila Bela.
Como tu sabes?
Quem sonha com outro mundo não pode estar aqui. Muito menos uma amante arrependida.
Esperou meu olhar de interrogação e acrescentou: Dinaura foi morar numa cidade encantada.
(...)
Estiliano abriu uma folha de papel e me mostrou um mapa com duas palavras: Manaus e Eldorado.
Li em voz alta as palavras e olhei para Estiliano.
Já foram sinônimos, disse ele. Os colonizadores confundiam Manaus ou Manoa com o Eldorado. Buscavam o ouro do Novo Mundo numa cidade submersa chamada Manoa. Essa era a verdadeira cidade encantada.
E o mapa? Dinaura está em Manaus ou na ilha?
Ela foi morar no povoado da ilha, o Eldorado, disse Estiliano.
HATOUM, Milton. Órfãos do Eldorado. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 40- 41, 59, 62,99 (Fragmento).
Considerando a importância do mito do Eldorado na composição da narrativa e seus possíveis significados, é CORRETO afirmar.
Ao mencionar o significado do nome Manaus e a busca do ouro pelos colonizadores, o personagem Estiliano esclarece o sentido verdadeiro e único da palavra Eldorado, sentido que passa a ser predominante no decorrer da narrativa, pois o que se destaca no texto é a história de Manaus.
Na obra, o Eldorado, mais que um espaço físico e um mito, é uma metáfora que percorre toda a narrativa, indicando tanto os sonhos de riqueza – o barco da família se chamava Eldorado – como os desejos de amor e felicidade, por exemplo, o amor por Dinaura.
A referência feita por Estiliano aos colonizadores e ao Novo Mundo, e o fato de que Florita e Dinaura são índias, indicam que o relato do narrador acontece em um tempo histórico específico, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal.
O Eldorado, ou terra encantada, perde sua dimensão mítica na narrativa, uma vez que seu sentido está ligado somente à exploração do ouro, pelos colonizadores portugueses, na ilha Eldorado, onde Dinaura foi morar.
Ao longo da narração, realizada em terceira pessoa, é construída uma paródia do mito do Eldorado, pois se antes a terra encantada atraía os colonizadores, na modernidade, os habitantes de Manaus sabem que o Eldorado não existe, é uma mentira que engana os tolos.