Leia os dois poemas extraídos de Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade.
Sentimental
Ponho-me a escrever teu nome / com letras de macarrão. / No prato, a sopa esfria, cheia de escamas / e debruçados na mesa todos contemplam / esse romântico trabalho. Desgraçadamente falta uma letra, / uma letra somente / para acabar teu nome! – Está sonhando? Olhe que a sopa esfria! Eu estava sonhando... / E há em todas as consciências um cartaz amarelo: / “Neste país é proibido sonhar.”
Poema do Jornal
O fato ainda não acabou de acontecer / e já a mão do repórter / o transforma em notícia. / O marido está matando a mulher. A mulher ensangüentada grita. / Ladrões arrombam o cofre. / A polícia dissolve o meeting. / A pena escreve. Vem da sala de linotipos a doce música mecânica.
Em relação aos dois poemas, assinale a alternativa incorreta.
O verso “esse romântico trabalho” assinala uma ruptura com relação à estética romântica, aludindo de forma humorada à cena da escrita do nome da amada com letras tiradas da sopa que esfria.
Nas duas primeiras estrofes de Sentimental, o eu lírico se dirige diretamente à amada, sendo ela mesma quem, na terceira estrofe, o desperta de seu sonho, por meio do verso “–Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!”
A complexa relação entre o acontecimento e seu registro simultâneo e irrefletido é tema do “Poema do Jornal”.
Há um forte aspecto fotográfico no último poema, que causa o efeito de um eu lírico que apenas registra o que vê.
O verso “Vem da sala de linotipos a doce música mecânica” registra com amargura irônica a banalização da vida humana na fria mesa tipográfica, como se veiculasse de forma urgente e repetitiva uma mesma notícia.