Leia o trecho do romance Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, para responder à questão.
Era assim concebida a petição:
“Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo além, que dentro do nosso país os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se diariamente surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma – usando do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro.
O suplicante, deixando de parte os argumentos históricos que militam em favor de sua ideia, pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e original; e, portanto, a emancipação política do país requer como complemento e consequência a sua emancipação idiomática.
Demais, Senhores Congressistas, o tupi-guarani, língua originalíssima, aglutinante, é a única capaz de traduzir as nossas belezas, de pôr-nos em relação com a nossa natureza e adaptar-se perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais, por ser criação de povos que aqui viveram e ainda vivem, portanto possuidores da organização fisiológica e psicológica para que tendemos, evitando-se dessa forma as estéreis controvérsias gramaticais oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de outra região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal – controvérsias que tanto empecem1 o progresso da nossa cultura literária, científica e filosófica.
Seguro de que a sabedoria dos legisladores saberá encontrar meios para realizar semelhante medida, e cônscio de que a Câmara e o Senado pesarão o seu alcance e utilidade
P. e E.2 deferimento.”
(Triste fim de Policarpo Quaresma, 1991. Adaptado.)
1empecer: prejudicar.
2P. e E.: pede e espera.
Está empregado em sentido figurado o termo destacado no seguinte trecho:
“usando do direito que lhe confere a Constituição” (2° parágrafo).
“a emancipação política do país requer como complemento e consequência a sua emancipação idiomática” (3° parágrafo).
“vendo-se diariamente surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma” (2° parágrafo).
“por ser criação de povos que aqui viveram e ainda vivem” (4° parágrafo).
“evitando-se dessa forma as estéreis controvérsias gramaticais oriundas de uma difícil adaptação” (4° parágrafo).