Leia o trecho do romance O crime do padre Amaro, de Eça de Queirós, para responder à questão.
Mas na sua paixão havia às vezes grandes impaciências. Quando tinha estado, durante três horas da noite, recebendo o seu olhar, absorvendo a voluptuosidade que se exalava de todos os seus movimentos, – ficava tão carregado de desejos que necessitava conter-se “para não fazer um disparate ali mesmo na sala, ao pé da mãe”. Mas depois, em casa, só, torcia os braços de desespero: queria-a ali de repente, oferecendo-se ao seu desejo: fazia então combinações – escrever-lhe-ia, arranjariam uma casinha discreta para se amarem, planeariam um passeio a alguma quinta! Mas todos aqueles meios lhe pareciam incompletos e perigosos, ao recordar o olho finório da irmã do cónego, as Gansosos tão mexeriqueiras! E diante daquelas dificuldades que se erguiam como as muralhas sucessivas duma cidadela, voltavam as antigas lamentações: não ser livre! não poder entrar claramente naquela casa, pedi-la à mãe, possuí-la sem pecado, comodamente! Por que o tinham feito padre? Fora “a velha pega” da marquesa de Alegros! Ele não abdicava voluntariamente a virilidade do seu peito! Tinham-no impelido para o sacerdócio como um boi para o curral!
Então, passeando excitado pelo quarto, levava as suas acusações mais longe, contra o Celibato e a Igreja: por que proibia ela aos seus sacerdotes, homens vivendo entre homens, a satisfação mais natural, que até têm os animais? Quem imagina que desde que um velho bispo diz – serás casto – a um homem novo e forte, o seu sangue vai subitamente esfriar-se? e que uma palavra latina – accedo – dita a tremer pelo seminarista assustado, será o bastante para conter para sempre a rebelião formidável do corpo? E quem inventou isto? Um concílio de bispos decrépitos, vindos do fundo dos seus claustros, da paz das suas escolas, mirrados como pergaminhos, inúteis como eunucos! Que sabiam eles da Natureza e das suas tentações? Que viessem ali duas, três horas para o pé da Ameliazinha, e veriam, sob a sua capa de santidade, começar a revoltar-se-lhe o desejo! Tudo se ilude e se evita, menos o amor! E se ele é fatal, por que impediram então que o padre o sinta, o realize com pureza e com dignidade? É melhor talvez que o vá procurar pelas vielas obscenas! – Porque a carne é fraca!
Encolhia então os ombros, escarnecendo toda aquela vaga argumentação interior. “Filosofia e palhada!” Estava doido pela rapariga, – era o positivo. Queria-lhe o amor, queria-lhe os beijos, queria-lhe a alma... E o senhor bispo se não fosse velho faria o mesmo, e o Papa faria o mesmo!
(Obras completas, vol 1, s/d. Adaptado.)
Assinale a alternativa correta sobre a relação de Eça de Queirós com o período histórico em que escreveu.
No início do século XX, Eça de Queirós escreveu o famoso ensaio intitulado “Paranoia ou mistificação”, no qual criticava duramente, de Portugal, uma exposição de Anita Malfatti, responsável, segundo o autor, por divulgar no Brasil a degenerada arte moderna.
Eça de Queirós foi um dos protagonistas da polêmica denominada Questão Coimbrã ao publicar críticas sobre os jovens escritores realistas e naturalistas que se opunham aos ideais da arte romântica na segunda metade do século XIX.
Na segunda metade do século XIX, Eça de Queirós participou ativamente das Conferências do Cassino Lisbonense, uma série de palestras sobre assuntos artísticos, filosóficos e científicos que firmou as bases para o início do Realismo e Naturalismo em Portugal.
Juntamente com Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, Eça de Queirós foi fundador da revista Orpheu que, apesar do tom simbolista-decadentista, representa um marco do início do Modernismo português nas duas primeiras décadas do século XX.
Eça de Queirós integrou, na primeira metade do século XX, a corrente literária Saudosista que prezava pelo ressurgimento do Império português, invocando o passado e exaltando o Sebastianismo e os feitos honrosos das Grandes Navegações.