Leia o trecho do romance O Cortiço, de Aluísio Azevedo.
De cada casulo espipavam homens armados de pau, achas de lenha, varais de ferro. Um empenho coletivo os agitava agora, a todos, numa solidariedade briosa, como se ficassem desonrados para sempre se a polícia entrasse ali pela primeira vez. Enquanto se tratava de uma simples luta entre dois rivais, estava direito! “Jogassem lá as cristas, que o mais homem ficaria com a mulher!” mas agora tratava-se de defender a estalagem, a comuna, onde cada um tinha a zelar por alguém ou alguma coisa querida.
− Não entra! Não entra!
[...]
A polícia era o grande terror daquela gente, porque, sempre que penetrava em qualquer estalagem, havia grande estropício; à capa de1 evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam os quartos, quebravam o que lá estava, punham tudo em polvorosa. Era uma questão de ódio velho.
[...]
– Fogo!
A esse grito um pânico geral apoderou-se dos moradores do cortiço. Um incêndio lamberia aquelas cem casinhas enquanto o diabo esfrega um olho!
Fez-se logo medonha confusão. Cada qual pensou em salvar o que era seu. E os polícias aproveitando o terror dos adversários, avançaram com ímpeto, levando na frente o que encontraram e penetrando enfim no infernal reduto, a dar espadeiradas para a direita e para a esquerda, como quem destroça uma boiada. A multidão atropelava-se, desembestando num alarido. Uns fugiam à prisão; outros cuidavam em defender a casa. Mas as praças2 , loucas de cólera, metiam dentro as portas e iam invadindo e quebrando tudo, sequiosas de vingança.
(O cortiço, 2008.)
1 à capa de: com o pretexto de.
2 praça: policial.
O trecho exemplifica uma característica do Naturalismo:
diálogos ágeis, como modo de imprimir velocidade às narrativas.
intenção de fazer uma síntese social do povo brasileiro, unindo suas diversas etnias.
retrato cru, sem amenizações, de problemas sociais graves.
produção de heróis idealizados de diferentes raças e classes sociais.
síntese moralizante explícita ao fim das tensões narrativas.