UEA Geral 2018

Leia o trecho do romance Iracema, de José de Alencar, para responder à questão.

 

    Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.

    Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.

    O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

    Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.

    Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.

    Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.

    A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.

    Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.

    Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

    Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.

    De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.

    O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.

    A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.

(Iracema, 2006.)

O trecho selecionado, assim como o romance, descreve a personagem Iracema de modo

a

contraditório, elogiando suas características físicas, mas desconfiando da sinceridade de seus propósitos.

b

infantil, atribuindo a ela características de uma menina imatura, que não se preocupa em se comportar adequadamente como uma mulher adulta.

c

crítico, reprovando sua tendência a não agir e a evitar o confronto, em um estado de permanente passividade.

d

idealizado, retratando uma mulher bela, forte e correta, em comunhão com o ambiente em que vive.

e

superficial, fixando-se em sua aparência, sem focalizar seus valores ou seus estados de espírito.

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Resposta
D

Resolução

A passagem de Iracema mostra uma apresentação amplamente idealizada da personagem que, desde sua primeira aparição, é descrita de forma a ressaltar uma beleza quase sobre-humana (cabelos negros, doçura no sorriso), e também pose guerreira (flechas, arco). Ela surge em perfeita harmonia com a natureza (banho, canto dos pássaros, flores) e possui traços de personalidade que revelam virtude, força e disposição para proteger e reparar o erro cometido. Esse tom idealizado, típico do Romantismo indianista de José de Alencar, aparece explicitamente na linguagem poética: a ênfase no aspecto físico arrebatador e na força moral simboliza a pureza e a grandeza do indígena. Assim, a afirmação correta sobre o modo como Iracema é descrita no texto é a alternativa D, pois ela destaca valores românticos de exaltação da natureza indígena brasileira.

Dicas

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Observe a adjetivação empregada para descrever Iracema e a natureza.
Verifique como a ação de Iracema confirma ou nega uma postura idealizada.

Erros Comuns

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Acreditar que a personagem é criticada ou descrita como passiva, quando o texto justamente mostra sua atitude rápida ao atirar a flecha e depois ao acolher o ferido.
Interpretar a ênfase na beleza como algo que impeça a consideração de valores ou de sua índole generosa.
Revisão
No contexto do Romantismo no Brasil, especialmente no chamado "indianismo" de José de Alencar, a figura do indígena era tratada de forma idealizada como símbolo da identidade nacional para exaltar as belezas do país e valores enaltecidos pela sociedade da época. O herói indígena ou a heroína indígena frequentemente apresentava características físicas sobre-humanas, além de uma nobreza de caráter alinhada aos conceitos de pureza e honra.
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