Leia o trecho do romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), para responder à questão.
Um sarau1 é o bocado mais delicioso que temos, de telhado abaixo. Em um sarau todo o mundo tem que fazer. O diplomata ajusta, com um copo de champanha na mão, os mais intrincados negócios; todos murmuram e não há quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos minuetes e das cantigas do seu tempo, e o moço goza todos os regalos da sua época; as moças são no sarau como as estrelas no céu; estão no seu elemento; aqui uma, cantando suave cavatina, eleva-se vaidosa nas asas dos aplausos; daí a pouco vão outras pelo braço de seus pares, se deslizando pela sala e marchando em seu passeio, mais a compasso que qualquer de nossos batalhões da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que conversam sempre sobre objetos inocentes que movem olhaduras e risadinhas apreciáveis. Outras criticam de uma gorducha vovó, que ensaca nos bolsos meia bandeja de doces que vieram para o chá, e que ela leva aos pequenos que, diz, lhe ficaram em casa. Ali vê-se um ataviado dândi2 que dirige mil finezas a uma senhora idosa, tendo os olhos pregados na sinhá, que se senta ao lado. Finalmente, no sarau não é essencial ter cabeça nem boca, porque, para alguns é regra, durante ele, pensar pelos pés e falar pelos olhos.
E o mais é que nós estamos num sarau: inúmeros batéis conduziram da corte para a ilha de... senhoras e senhores, recomendáveis por caráter e qualidade: alegre, numerosa e escolhida sociedade enche a grande casa, que brilha e mostra em toda a parte borbulhar o prazer e o bom gosto.
Entre todas essas elegantes e agradáveis moças, que com aturado empenho se esforçam por ver qual delas vence em graças, encantos e donaires, certo que sobrepuja a travessa Moreninha, princesa daquela festa.
(A Moreninha, 1991. Adaptado.)
1 sarau: reunião festiva, geralmente noturna, com a finalidade de ouvir música, conversar, dançar, ler e ouvir literatura.
2 dândi: indivíduo que tem (exagerado) cuidado com sua aparência.
“no sarau não é essencial ter cabeça nem boca, porque, para alguns é regra, durante ele, pensar pelos pés e falar pelos olhos.” (1º parágrafo)
O período está corretamente interpretado em:
há no sarau pessoas que estão muito deslocadas do ambiente, não sabendo o que fazer, por vezes trocando os pés pelas mãos.
em alguns saraus, onde a futilidade prevalece, as pessoas olham tudo maquinalmente, incapazes de fazer uma reflexão ou uma fala elaborada.
no sarau, há pessoas que, de tão íntimas umas das outras, conseguem passar pequenas mensagens apenas com o olhar, sem precisar verbalizar nada.
algumas pessoas no sarau estão pouco interessadas em conversas ou grandes reflexões, preferindo dançar e olhar o ambiente.
como as pessoas vão a um sarau para se divertir, fica pressuposto que é inadequado conversar sobre assuntos sérios, como política ou trabalho.