Leia o trecho do romance A hora da estrela, de Clarice Lispector, para responder à questão.
Nesta manhã de dia 7, o êxtase inesperado para o seu tamanho pequeno corpo. A luz aberta e rebrilhante das ruas atravessava a sua opacidade. Maio, mês dos véus de noiva flutuando em branco.
O que se segue é apenas uma tentativa de reproduzir três páginas que escrevi e que a minha cozinheira, vendo-as soltas, jogou no lixo para o meu desespero – que os mortos me ajudem a suportar o quase insuportável, já que de nada me valem os vivos. Nem de longe consegui igualar a tentativa de repetição artificial do que originalmente eu escrevi sobre o encontro com o seu futuro namorado. É com humildade que contarei agora a história da história. Portanto se me perguntarem como foi direi: não sei, perdi o encontro.
[...]
O rapaz e ela se olharam por entre a chuva e se reconheceram como dois nordestinos, bichos da mesma espécie que se farejam. Ele a olhara enxugando o rosto molhado com as mãos. E a moça, bastou-lhe vê-lo para torná-lo imediatamente sua goiabada-com-queijo.
Ele...
Ele se aproximou e com a voz cantante de nordestino que a emocionou, perguntou-lhe:
— E se me desculpe, senhorita, posso convidar a passear?
— Sim, respondeu atabalhoadamente com a pressa antes que ele mudasse de ideia.
— E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?
— Macabéa.
— Maca, o quê?
— Béa, foi ela obrigada a completar.
— Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.
— Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu vingasse, até um ano de idade eu não era chamada não tinha nome, eu preferia continuar a nunca ser chamada em vez de ter um nome que ninguém tem mas parece que deu certo. — Parou um instante retomando o fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor: — Pois como o senhor vê eu vinguei... pois é...
— Também no sertão da Paraíba promessa é questão de grande dívida de honra.
Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de ferragem onde estavam expostos atrás do vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado:
— Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?
(A hora da estrela, 1998.)
Metalinguagem: Linguagem sobre linguagem. Discurso sobre um sistema de signos (língua, etc) por meio desse próprio sistema.
(Celso Pedro Luft. ABC da língua culta, 2010.)
Verifica-se a ocorrência de metalinguagem no seguinte trecho:
“Nesta manhã de dia 7, o êxtase inesperado para o seu tamanho pequeno corpo” (1º parágrafo).
Nem de longe consegui igualar a tentativa de repetição artificial do que originalmente eu escrevi” (2º parágrafo).
“E a moça, bastou-lhe vê-lo para torná-lo imediatamente sua goiabada-com-queijo” (3º parágrafo).
“Sim, respondeu atabalhoadamente com a pressa antes que ele mudasse de ideia” (7º parágrafo).
“Também no sertão da Paraíba promessa é questão de grande dívida de honra” (14º parágrafo).