Leia o trecho de Os sertões, de Euclides da Cunha, para responder à questão.
Quem vê a família sertaneja, ao cair da noite, ante o oratório tosco ou registro paupérrimo, à meia luz das candeias de azeite, orando pelas almas dos mortos queridos, ou procurando alentos à vida tormentosa, encanta-se.
O culto dos mortos é impressionador. Nos lugares remotos, longe dos povoados, inumam1 -nos à beira das estradas, para que não fiquem de todo em abandono, para que os rodeiem sempre as preces dos viandantes2, para que nos ângulos da cruz deponham3 estes, sempre, uma flor, um ramo, uma recordação fugaz4 mas renovada sempre. […]
A terra é o exílio5 insuportável, o morto um bem-aventurado sempre.
O falecimento de uma criança é um dia de festa. Ressoam as violas na cabana dos pobres pais, jubilosos entre as lágrimas; referve o samba turbulento; vibram nos ares, fortes, as coplas6 dos desafios; enquanto, a uma banda7, entre duas velas de carnaúba, coroado de flores, o anjinho exposto espelha, no último sorriso paralisado, a felicidade suprema da volta para os céus, para a felicidade eterna – que é a preocupação dominadora daquelas almas ingênuas e primitivas.
(Os sertões, 2003.)
1 inumar: enterrar, sepultar.
2 viandante: viajante, caminhante, passante.
3 depor: depositar, deixar.
4 fugaz: ligeiro, passageiro, transitório.
5 exílio: lugar distante, onde se vive no isolamento.
6 copla: poesia popular cantada com o acompanhamento de música improvisada.
7 a uma banda: a um lado.
A expressão “almas ingênuas e primitivas” (4º parágrafo) representa os sertanejos em oposição aos homens
inocentes e com fé.
rudes e selvagens.
puros e ignorantes.
humildes e sem instrução.
eruditos e civilizados.