Leia o trecho de Ana Terra para resolver a Questão.
Ana sentia-se animada, com vontade de viver, sabia que por piores que fossem as coisas que estavam por vir, não podiam ser tão horríveis como as que já tinha sofrido. Esse pensamento dava-lhe uma grande coragem. E ali deitada no chão, a olhar para as estrelas, ela se sentia agora tomada por uma resignação que chegava quase a ser indiferença. Tinha dentro de si uma espécie de vazio: sabia que nunca mais teria vontade de rir nem de chorar. Queria viver, isso queria, e em grande parte por causa de Pedrinho, que afinal de contas não tinha pedido a ninguém para vir ao mundo. Mas queria viver também de raiva, de birra. A sorte andava sempre virada contra ela. Pois Ana estava agora decidida a contrariar o destino. Ficara louca de pesar no dia em que deixara Sorocaba para vir morar no Continente. Vezes sem conta tinha chorado de tristeza e de saudade naqueles cafundós. Vivia com o medo no coração, sem nenhuma esperança de dias melhores, sem a menor alegria, trabalhando como uma negra, e passando frio e desconforto... Tudo isso por quê? Porque era a sua sina. Mas uma pessoa pode lutar contra a sorte que tem. Pode e deve. E agora ela tinha enterrado o pai e o irmão e ali estava, sem casa, sem amigos, sem ilusões, sem nada, mas teimando em viver. Sim, era pura teimosia. Chamava-se Ana Terra. Tinha herdado do pai o gênio de mula.
Soergueu o busto, olhou as coxilhas em torno e avistou um fogo, muito longe, na direção do nascente.
“Boitatá” – pensou. E lembrou-se imediatamente da noite de verão em que Pedro Missioneiro, acocorado na frente do rancho, lhes contara a história da teiniaguá. O fogo que ela via agora parecia uma estrela caída, graúda e amarelona. E como ela não se apagasse, Ana concluiu que devia ser o fogo dum acampamento. Soldados? Ao pensar nisso tornou a sentir o cheiro dos castelhanos, e a lembrança de homem lhe trouxe de novo uma sensação de repulsa e de ódio. Mas podia bem ser o acampamento dum carreteiro, e nesse caso a carreta podia passar por ali no dia seguinte. Ana Terra começou a sentir no corpo o calor duma esperança nova. Iam ver gente, talvez gente de bem, algum tropeiro continentino que vinha da vila do Rio Pardo... Tornou a deitar-se, mas continuou a olhar para o fogo. Pouco a pouco o sono começou a pesar-lhe nas pálpebras. Ana cerrou os olhos, dormiu e sonhou que andava numa carreta, muito devagar, e ia para Rio Pardo, cidade que ficava muito longe, e todo o tempo da viagem ela chorava, porque Pedrolucinho tinha ficado sepultado no alto duma coxilha: ela mesma o enterrara vivo, só porque o coitadinho não era bem branco; e por isso agora chorava, enquanto as rodas da carreta chiavam e o carreteiro gritava: Ooche, boi! Ooche, boi!
VERÍSSIMO, Érico. Ana Terra. Companhia das Letras: São Paulo, 2005. p. 70-71.
Analise as afirmações identificadas por letras maiúsculas acerca do trecho seguinte:
Vivia com o medo no coração, sem nenhuma esperança de dias melhores, sem a menor alegria, trabalhando como uma negra, e passando frio e desconforto... Tudo isso por quê? Porque era a sua sina. Mas uma pessoa pode lutar contra a sorte que tem. Pode e deve. E agora ela tinha enterrado o pai e o irmão e ali estava, sem casa, sem amigos, sem ilusões, sem nada, mas teimando em viver. Sim, era pura teimosia. Chamava-se Ana Terra. Tinha herdado do pai o gênio de mula.
VERÍSSIMO, Érico. Ana Terra. Companhia das Letras: São Paulo, 2005. p. 70-71.
A=> Considerando todo o trecho, o substantivo “negra” é o primeiro indicador do sujeito do verbo que inicia o primeiro período.
B=> O trecho “com o medo no coração, sem nenhuma esperança de dias melhores, sem a menor alegria” não é complemento verbal.
C=> O trecho que sucede “Vivia” até as reticências tem sentido restrito a como, da estrutura narrativa.
D=> Em “Tudo isso por quê?” as duas primeiras palavras têm função pronominal respectivamente de delimitação e demonstração e as duas últimas têm função perquiritiva.
E=> “Porque era a sua sina.” tem estrutura de período e de oração, mas não tem estrutura de frase, visto que o conceito da gramática normativa acusa ‘verbo’ na estrutura de período e de oração e de ‘sentido completo’ na estrutura de frase.
F=> Segundo a gramática normativa, o trecho “Mas uma pessoa pode lutar contra a sorte que tem.” inicia-se com um conectivo adversativo ao sentido de “sina” e ao sentido do texto antecedente, estruturando-se a seguir por três ideias centradas em verbos, tendo o segundo destes, sentido ilimitado no tempo, na função de complemento direto do primeiro, e tendo “a sorte” como complemento do último.
G=> “Pode e deve.” é um trecho que se caracteriza como marca da oralidade em relação ao todo e tem como complementos todos os vocábulos que o antecedem.
H=> Provas de que o narrador seja do tipo onisciente e intruso são: “Porque era a sua sina./ Pode e deve./ tinha enterrado o pai e o irmão/ mas teimando em viver/ Sim, era pura teimosia./ gênio de mula”.
I=> A ordem inversa da sequência da apresentação das ações, imagens e sentimentos da personagem antes de seu nome cria expectativas no leitor.
J=> O trecho traz em seu todo, evidentes marcas da linguagem oral de um narrador onisciente
A alternativa que contém a sequência alfabética correta somente das afirmações completamente corretas é:
A, B, C, D, E, F, G, H, I, J.
J, I, H, F, E, D, C, B, A.
A, B, C, D, E, F, I, J.
B, C, D, E, F, G, H, I.
A, D, E, F, G, H, I, J..